Dizem as pessoas mais velhas que os seus avós contavam uma história, muito engraçada, que tinham ouvido contar também aos seus bisavós, sobre o Cerro da Candosa. No tempo em que os mouros andavam por estas terras, vivia nas Várzeas um mouro convertido ao Cristianismo. Caçava, pescava, apanhava e guardava castanhas para o ano todo, pois havia muitos castanheiros. Amanhava as terras e explorava ouro nos rios Ceira e Sotam. A sua vida de abundância e tranquilidade atraiu a inveja de outros mouros, não convertidos, que procuraram por todas as formas apoderar-se destas terras. Como não o conseguiram pelas lutas com armas e armadilhas que lhe fizeram, pois Alguém o protegia, tomaram a decisão de o afogar, alagando toda esta bacia, que noutros tempos já tinha sido a lagoa de Sacões. Para isso mobilizaram toda a mourama das terras situadas até 20 léguas ao redor. Desde o amanhecer até ao pôr do sol trabalhavam sem parar, para tapar o rio no buraco do Cabril. Arrastaram pedras do rio utilizando muitas juntas de bois a puxar zorras. Com sarilhos, foram amontoando essas pedras em paredes de enorme grossura na base, que ia diminuído com a altura. As águas foram desviadas para a encosta mais sólida e enorme pedras deixadas de lado para as tapar, quando a muralha tivesse já atingido boa altura. Enquanto os homens trabalhavam, a fazer paredes, mais de uma centena de mulheres e crianças acarretavam cestas de terra dos montes vizinhos para taparem bem as frestas das paredes. O mouro que orientava as obras ria de contente, pois o trabalho estava a render e ia já quase em meio da muralha que era necessário fazer para conseguir o seu pérfido intento, e o mouro cristão não se apercebera de nada. Era sexta-feira e no dia seguinte não se trabalhava. Mais duas semanas e o rio estaria fechado. Cada mouro foi descansar a suas casas e apanhar alimentos para voltar ao trabalho no dia seguinte. Manhã cedo o mouro chefe chegou para dirigir as obras… mas no local não havia parede alguma… As pedras estavam espalhadas pelo rio abaixo. A terra tinha sido levada pela corrente do rio… Como explicar tal coisa? Não chovera… o rio levava pouca água, pois era verão! Nada… nada… podia explicar tal acontecimento. O mouro ficou admirado e atónito, verificava pedra a pedra, a ver se encontrava sinais de ter sido empregue força. Em vão. No local parecia que nenhuma parede fora construída… A mourama foi chegando e todos ficaram apalermados com o que viam… A admiração transformou-se em raiva! O mouro não era de desistir. Todos ao trabalho agora com mais cuidado. Os alicerces mais fundos, as pedras mais travadas, o cascalho e a terra mais batidas de modo a tornar a muralha mais sólida. Trabalhou-se com mais afã e mais entusiasmo durante cerca de um mês. Estava uma obra perfeita, pensava o mouro. Desta vez não há quem seja capaz de a destruir… Noite dentro, quando todos dormiam, o mouro teve um sonho. Acordou estremunhado e foi ver. Era verdade… A muralha tinha desaparecido… Irritado, chamou os guardas, que tinha colocado à distância, para ver quem tinha destruído aquela obra. Foi-lhe respondido que ninguém por ali tinha passado, nem de dia, nem de noite. Obrigou-os a jurar, por Alá, que diziam a verdade, mas prendeu os mais responsáveis por não estarem atentos e terem evitado tal destruição. A obra tinha de ser feita e foi recomeçada com mais ardor, recrutou mais gente e reforçou ainda mais a construção, e a muralha foi subindo… subindo… até estar a atingir o ponto mais alto. -Amanhã vamos tapar o rio para encher a lagoa, disse… Mas de noite teve um sonho. Viu uma Senhora, num burrinho, em cima da muralha, com um capuz na cabeça. Conforme o burrinho ia andando, as pedras desapareciam e a muralha desmoronava-se. Acordou sobressaltado e correu para o alto da muralha. Lá estava a Senhora que vira no sonho. Em cima do burrico, estendia as mãos e as pedras iam caindo e desapareciam no fundo vale. Correu para a Senhora mas não conseguiu. Seus pés não se podiam mexer e seus braços não conseguiam apanhar a Senhora. Esforçou-se em vão… a muralha tinha desaparecido e o rio Ceira deslizava pachorrentamente no seu leito. Ainda viu a Senhora a retirar-se lentamente mas não foi capaz de a alcançar. Seguiu os caminhos por onde passara o burrinho cujas patas ficaram gravadas nas pedras, e que ainda hoje se podem ver,… mas não pôde alcançar a Senhora. Procurou os vigilantes que, assustados, lhe gritaram que uma Senhora muito linda e resplandecente havia libertado os que estavam detidos e que se fora embora no seu burrinho. Nem assim a mouro desistiu. Começou a obra de novo e reforçou a vigilância. Trabalhava-se a construir até ao anoitecer. Pela noite dentro vinha a Maria do Capucho, no seu burrico, e destruía tudo. Assim aconteceu durante algum tempo até que o mouro compreendeu que era o Poder Divino que protegia o outro cristão e que Maria era a Mensageira divina a impedir a sua maldade. Foi ter com o mouro que habitava nas terras e disse-lhe: -Tudo fiz para te destruir… mas Deus protege-te e manda uma Senhora estragar a barragem que queria fazer para te afogar. Façamos a paz e ensina-me a amar o teu Deus. Abraçaram-se como irmãos e resolveram perpetuar aquela aliança, construindo uma capela no alto do cerro sobre a invocação da Senhora da Candosa. E foi assim que estas Várzeas escaparam de voltar a ser lagoa e se tornaram as terras abençoadas que agora são e onde vive uma gente feliz. Ainda hoje nas horas de aflição, o povo desta região acorre ao Cerro da Candosa e se prosta aos pés de Nossa senhora a pedir a sua protecção. A palavra candosa pode ser derivada de cadeia, Senhora reluzente, Senhora das Candeias, dia 2 de Fevereiro, ou pode vir de candil que significa pedra, tal como cantareira e cantaria.
Matos Cruz 1996
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Diz-nos outra lenda, que o estreito do Cabril separava dois reinos: o Mouro e o Cristão. O mouro chamado Al-Kandar na margem esquerda do rio Ceira, ou seja Candosa, e o Cristão na margem direita. Diz a lenda que a linda princesa se enamorou do filho do rei cristão ao ponto de se apaixonarem, mas a rivalidade dos pais não permitia tal coisa. Porém ás escondidas numa gruta que ainda hoje existe, marcavam encontros à noite. O sinal seria uma lamparina acesa que era vista da outra margem pelo príncipe cristão, que por sua vez passava o rio para o outro lado ao encontro da sua amada. Mas uma noite o rei mouro deu pela falta da filha e logo mandou os guardas com cavalos à procura da princesa. Ao ouvirem o trote dos cavalos os jovens enamorados tentaram fugir, mas na fuga precipitada, caíram ao rio. Só no dia seguinte foram encontrados mortos e abraçados como a quererem dizer que queriam ficar juntos para sempre e que o seu amor seria mais forte que a rivalidade dos pais. A partir desse dia, dizem que todas a noites de lua cheia, à meia-noite, se ouvem vozes e murmúrios, no local da tragédia, e se vêem duas rosas a boiar nas águas do rio. Daí se chamar a “Lenda das duas Rosas”.
José Rodrigues (de Salpicos da minha Aldeia, 2005)