A CAMINHO DO MILÉNIO
Que visão de futuro para territórios despovoados?
Eduardo Jorge de Melo e Faro Lucas |
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Todas as terras têm riqueza, todas elas têm alguma coisa que as valorize, seja no povo que as ocupa, na geográfica dos territórios ou no ambiente que as rodeia.
Desde sempre reparei que os Beirões são um povo de boas práticas expressas no seu “bem receber”, são dados, amáveis e prestáveis por quem cá passa, são um povo que depois de uns palmos de conversa ficam dispostos a colaborar e ajudar qualquer um. A geográfica do território, por um lado, dificulta a circulação do Homem e cria grandes distâncias entre espaços tornando algumas áreas hostis, mas, por outro lado, preserva no seu estado original, a cultura há muito enraizada, como são as aldeias serranas, as estruturas sazonais, os caminhos, as tradições do Homem que por cá viveu, entre muitos outros elementos. Da mesma forma, foi também responsável pela preservação de um meio natural que, em algumas partes do território, emana uma grande riqueza em biodiversidade tanto na flora como na fauna, bem como na qualidade das águas das ribeiras e rios que o percorrem. O Homem que por cá foi ficado tem procurado sempre ajustar-se a este território, às dificuldades do mesmo, quer seja no sentimento de interiorização no contexto nacional, quer seja na modelagem da geografia, ele sempre procurou conformar-se e procurar meio de sobrevivência. Foram criativos e lutadores, exemplo disso são as cortadas do rio em tempos onde não havia maquinaria e em que o trabalho era braçal, demorado e muitas vezes acarretava despesas elevadas. As construções de muros de contenção em linhas de água (de forma a tornar áreas de passagem de água em solos agrícolas), o uso do fogo contra fogo na serra sem nunca perder o controlo do mesmo (de modo a criar pasto para as milhares de cabeças de gado) ou até saber construir casas em xisto e barro em locais inóspitos e quase inabitáveis. Decerto que nem todos estavam predispostos a este tipo de esforço e sacrifício, por razões variadas, tendo alguns desistido e partido para outras paragens, tendo como destino privilegiado as grandes cidades ou outros países. Este esforço do passado é um legado implícito no património cultural e que faz parte a grande identidade Goiense. Houve várias razões na verdade para este fenómeno, foi a falta de espaço com condições mínimas para o crescimento das famílias e a criação de novas, talvez as partilhas de áreas tão reduzidas pelos filhos se tenham tornado insuportáveis para a sua sobrevivência e dos seus. A verdade é que a partir de meados do séc. XX se deu um segundo despovoamento deste território, tanto das aldeias serranas como nos centros mais povoados como sejam as vilas. Terão os que partiram, influenciado os que iam resistindo? Este fenómeno já teria acontecido pela altura da Segunda Guerra, mas desta vez foi influente ao ponto de deixar povoações quase ao abandono. Na verdade, os que partiram por lá ficaram e alguns construíram impérios entre as gerações seguintes, talvez seguidores de uma herança genética de seus pais e avós mas em territórios com outras oportunidades. Povo lutador e trabalhador que ao longo de séculos resistiram nestes lugares tão hospitaleiros mas, ao mesmo tempo, agrestes e duros para se viver. Entretanto, após este fenómeno, passaram-se décadas e as “riquezas” por mais que escondidas ou até desatentas aos olhos de que por cá vive ou de quem por cá passa, ainda se mantêm por estes montes, serras e vales. São elas a cultura local e a natureza no seu esplendor. O ecossistema desta região sempre influenciou o modo de vidas destas populações e o êxodo rural para outras paragens originou que a natureza do território voltasse a repor em algumas áreas a sua forma pura, como é o caso da qualidade da água e a floresta autóctone que, bem ou mal gerida, ainda existe por todo o território de Góis. A outra riqueza que refiro está na comunidade que resistiu em ficar e permanecer neste território que é a portadora do seu padrão de conduta, “identidade cultural”, e de um dos principais pilares da educação que é o “saber fazer”. São eles os verdadeiros heróis de uma história longa de contar mas que, em simultâneo, é culturalmente rica em saberes desta referência local. Porque poderão então aqueles que partiram, ou aqueles que por cá nunca passaram, um dia vir a querer estabelecer-se neste território? Pois vivem nas grandes cidades com todas a regalias e qualidade de vida e sempre com acesso a tudo! Estaremos nós tão certos disso? Se, por um lado, a maior riqueza da vida é a natureza que nos envolve, então pergunto, onde está ela nas grandes cidades, onde pairam as árvores fundamentais para a qualidade do ar que respiramos, à semelhança da importância da água para a vida? A floresta foi ocupada pela “lei do betão” com a construção de enorme torres deste material e as linhas de água encanadas em manilhas para esconder a vergonha que lhes fizeram. Já não falando da cultura, pois não se respeita a que estava nem as que estão chegando, perdeu-se a identidade da cultura local destes meios urbanos mas, também, se acabou por nunca aceitar as novas culturas que foram chegando e deixou-se que os jornais e as televisões alimentassem a imagem e identidade que lhes interessam com a especulação mediática. São assim que se encontram as urbes! Perante este cenário que ideias para um futuro próximo, mas rápido antes que seja tarde? Decerto que, desde alguns anos, tem havido sinais de novos povoadores nas zonas despovoadas, sendo certo que os que vieram há 20 anos atrás não são os mesmos que vêm chegado nos dias de hoje. São mais qualificados e informados, têm outros interesses, outras ideias e vontades, serão eles que podem contrariar as tendências do despovoamento ou até fazer acreditar que os que cá ficaram depois dos seus pais e avós valeu a pena insistir em ficar? Uma nova geração de portugueses começa a questionar-se sobre o que é, de facto, a qualidade de vida, será mesmo nas cidades tal como se foi vendendo ao longo de décadas? Ou será no campo e no interior? Quererá esta nova geração algo de diferente para os seus filhos? De facto, algo nas mentalidades e na educação está a mudar e mesmo que não surja do Estado português essa promoção, algo se está a passar! O que fazer por este território? Os governos centrais sucessivos nada fizeram em grande escala para mudar esta tendência, de que no interior não há trabalho, mas se há riqueza local, então o que fazer com ela? O estar e viver nos centros urbanos é para muitos um mal necessário, é lá que encontram “no seu ponto de vista” o único modo de sobreviver, é onde há emprego! Só que na verdade o “saco enche” muitas vezes, é necessário uma “escapadinha”, e é neste ponto que se tem que apostar em Góis, Saber receber! Não da mesma forma dos nossos antepassado mas sim de uma outra forma mais empreendedora e criativa! A oferta terá que ser diversificada e cuidada de forma a receber todos os tipos de interesse e classes sociais, mas é a natureza do território o grande trunfo, é na natureza do concelho e na cultura local que se tem que apostar, … o que há em Góis que não há em mais lugar nenhum? O que marca a diferença? O legado natural e cultural deste concelho tem que ser estimado e preservado antes que se perca este tesouro no tempo, não podemos continuar a gerir a floresta desta forma desordenada sem que se preserve uma identidade de qualidade florestal e sem que sejam apenas as questões da economia a mandar. É verdade que as monoculturas do eucalipto servem as cidades, e é lá que se gasta a maior parte do papel, mas também é verdade que são os das cidades que procuram a nossa floresta para caminharem, pic-nicarem ou até simplesmente para estarem! Mas, entretanto, o que é mais usual fazer-se para os receber são os famosos “parques de merendas” que andam por todo o lado dos vales e serras deste território. Assim o turista antes de sair das cidades vai comprar tudo o que é necessário às grandes superfícies comerciais e, ao chegar a estes tipos de ”locais de lazer”, vai deixar única e exclusivamente o “lixo”, não paga o serviço, não deixa dinheiro no comércio tradicional e sai de ”barriga cheia de lazer”! São gastos que as autarquias tiveram e continuarão a suportar, pois é necessário manter os referidos parques limpos e de manutenção regular! Claro que existem projetos e atividades de qualidade na área do turismo no concelho de Góis, talvez fazendo parte de um conjunto de esforços e reunir sinergias em torno de um grande plano comum para “saber bem receber” em território de excelência criando novas ideias de negócio! Planificar e trabalhar em rede é de alguma forma a melhor maneira de se alcançar sucesso no que nos propomos fazer. Talvez, sem pretensões nenhumas, mas sabendo de situações que condicionam esta possível mudança, quero assim contribuir com ideias construtivas concluindo desta forma algumas áreas prioritárias numa busca de objectivos para esta visão de futuro para Góis. A reorganização da floresta onde se possa viver em comunhão entre as economias das monoculturas do eucalipto e das madeiras de crescimento rápido e o restabelecimento da biodiversidade das nossas espécies autóctones. Haverá com certeza condições de harmonia para estas economias sem que uma condicione a outra, haverá até condições de se lutar contra aos flagelos dos incêndios florestais, usando esta ideia de acordo entre plantar espécies de crescimento rápido intercalando com espécies autóctones. A requalificação do nosso património cultural, seja ele material ou imaterial, recuperando imóveis de conjunto cultural seja perto dos rios, no fundo dos vales, seja no topo de uma serra, bem como reconquistando a memória de o povo, nas suas cantigas, músicas, estórias, danças, gastronomia, etc. Potencializar a formação na área do turismo e floresta para os jovens do concelho, de forma a garantir que a qualidade atual é necessária para um acompanhamento do processo, bem como apostar no incentivo de investimentos de capital nestas mesmas áreas, seja em investidores do concelho ou de fora. Será necessário aumentar o número de camas no concelho? Será que as que existem estarão espalhadas pelo território e não tem visibilidade? Será que a formação de uma rede planificada e partilhada de “onde ficar” chegará para dar resposta? Será que quem recupera as casas tradicionais para alojamento estão todos a seguir a mesma linha e imagem de marca? As condições de alojamento não terão que ser todas iguais, pode-se recuperar uma fachada de uma unidade de alojamento local com as traças tradicionais ou fazendo fusão com o moderno, mas garantindo desta forma uma imagem de identidade local. Neste passo outras economias recuperavam, como é o caso da construção civil, e nesta em particular muito mais cuidada, e atualizadas nas questões da recuperação de património e na sua preservação, criando formação nos empresários locais da área, dando-lhes uma nova visão do que foi e do que é a sua identidade, encorajando-os a usarem-na como marca de qualidade. Para o geógrafo brasileiro Milton Santos, a globalização que se verificava já nos fins do século XX tenderia para a uniformização dos grupos culturais e, logicamente, uma das consequências seria o fim da produção cultural, enquanto gerador de novas técnicas e sua geração original. Isto reflectia, ainda, na perda de identidade, primeiro das sociedades, podendo ir até ao plano individual. Em Góis teremos que contrariar esta tendência e com estas mudanças, criar condição de melhoria para o mercado de trabalho no concelho impulsionado o crescimento do emprego e da qualidade de vida de quem cá permaneceu, de quem quer para cá voltar ou até para quem se quer mudar para Góis e, assim, mudar o estilo de vida. A Economia criativa deve ser entendida como uma das principais estratégias de desenvolvimento para o século XXI, a identidade cultural é uma das principais riquezas do concelho de Góis que pode e deve ser transformada em valor económico e social para as gerações vindouras. É bom viver em Góis! Fevereiro 2014 |
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