Procedia-se ao traçado da estrada nº 57, que ligava Miranda do Corvo ao interior da Beira. Para atravessar Góis, os técnicos das Obras Públicas consideraram que, a seguir à Ponte Real, a estrada devia seguir junto ao rio Ceira, em direcção a Arganil. Embora houvesse outras variantes, parecia ser o traçado preferido, a solução mais fácil e provavelmente a menos custosa. Reagiram os goienses. A estrada devia passar pelo centro da vila, para lhe dar dignidade e favorecer o seu desenvolvimento. Não era obra fácil, pois implicava a derrocada de casas de habitação, nomeadamente parte dos Paços do Concelho. A acta da Câmara Municipal, de 9 de Fevereiro de 1879, dá-nos informação já na parte final dos acontecimentos (actualizámos a ortografia):
« …estando presentes o Presidente da Câmara Municipal António da Cunha e Frias, os vereadores José Nogueira Ramos, António Lourenço Corrêa, Manuel Francisco Mendes, Aníbal Baeta de Vasconcelos, José Francisco Ribeiro Martins e Francisco José de Oliveira, e bem assim o Administrador do Concelho bacharel Francisco António da Veiga Júnior, pelo presidente foi dito que o objecto principal desta reunião era deliberar se a estrada distrital nº 57 devia ou não passar por esta vila, subindo pela rua da ponte, praça pública e seguindo pela quelha de Linhares, como se via do traçado, a variante ultimamente estudada, ou finalmente se devia ir por algum dos traçados anteriormente estudados; pois que lhe constava que vinha observar os estudos da mesma estrada o Director das Obras Públicas do Distrito, para resolver definitivamente por onde ela devia passar; do que os Vogais desta Câmara foram prevenidos no acto da convocação, porque a Câmara deveria escolher a variante mais conveniente aos interesses deste Concelho e apresentar ao Sr. Director neste mesmo sentido. A Câmara, depois de uma breve discussão, resolveu que lhe fosse apresentada a planta dos estudos, o que logo foi satisfeito pelo cidadão Manuel Nogueira Ramos; e da mesma planta se viu que, no caso de se optar a variante ultimamente estudada, tinha de ser demolida a casa dos Paços do Concelho e as cadeias públicas desta vila, e ainda que lhe parecia que era este o último traçado que mais convinha aos habitantes desta vila, não só por a tornar mais concorrida, mas também pela comodidade que fica aos povos de terem uma boa estrada central a seguir da Praça pública até às Almas do Isqueiro, e dali para Arganil, pois que é certo que do sítio da Praça até ao das Almas de Isqueiro há apenas um caminho de pé e de cavalo, não podendo ali passar carros nem mesmo de bois, a não ser ir dar a volta ao fundo da vila. Não obstante estas comodidades, resolveu a Câmara, com voto consultivo do Senhor Administrador do Concelho, que não se representasse a favor desta última variante sem que se chamasse o cidadão José Fernandes Antunes de Carvalho, visto que ele era o maior interessado desta última variante, para declarar o último preço por que cedia a este município o seu prédio de casas que tem a poente da praça desta vila, que confina com o prédio público dos Paços do Concelho. O qual sendo convidado, compareceu, e mandando buscar as chaves do seu aludido prédio o mostrou à Câmara, e disse que no caso de a estrada passar pela última variante cedia ao município a sua referida casa por um conto setecentos e cinquenta mil réis pagando-lhe de pronto, ou um conto e oitocentos mi réis, incluindo a casa também do mesmo senhor e que fora de Jacinta de Figueiredo. Em caso de não ser pago de pronto a importância das casas, cede as mesmas por dois contos de réis, recebendo o preço da expropriação da casa dos Paços do Concelho que for inutilizada, e o restante para fazer os dois contos, vir a receber em prestações iguais em dez anos, sem vencimento de juros. A Câmara ou aceite um ou outro alvitre, nunca a casa que foi de Jacinta de Figueiredo excederá a quantia de cinquenta mil réis, recebendo ele, vendedor, das Obras Públicas, em todo o caso, o valor da expropriação desta mesma casa que for necessário para a estrada. A Câmara, em vista desta declaração que o cidadão José Antunes de Carvalho, desta vila, se obrigou a assinar, resolveu apresentar ao Governo de Sua Majestade e fazendo ver a conveniência que resulta aos povos em ser adoptada a última variante; cuja representação é do teor seguinte: “A Câmara Municipal do Concelho de Góis e os cidadãos abaixo assinados, sabendo que na estrada distrital nº 57 de Miranda de Corvo a Santa Comba Dão, lanço de Góis a Arganil, se fizeram algumas variantes, compreendidas entre a ponte Góis e o perfil 40, e reconhecendo a grande vantagem da 2ª variante, que seguindo desde a ponte pela rua do mesmo nome, vai à Praça, e dali sai da vila atravessando as casas habitadas por Maria do Egipto, vem perante Vossa Majestade suplicar que esta variante seja a preferida, pois que não só embeleza a sua principal rua, que é a mencionada Rua da Ponte, mas também, passando ao centro da vila, virá até certo ponto minorar o abatimento em que agora se encontra (abatimento ultimamente agravado pela reforma judiciária) esta terra outrora tão florescente pelo seu comércio e outros ramos de indústria. Senhor! A Câmara Municipal deste Concelho e cidadãos abaixo assinados não acham razão pela qual não deva ser atendida a sua justa pretensão, pois que, até debaixo do ponto de vista económico, o traçado primitivo e as outras variantes não são preferíveis à variante acima indicada, visto como ela, seguindo quase sempre uma estrada antiga ao sair da vila, deixa de retalhar propriedades de sólido valor, facto bastante digno de atenção nesta localidade, em que escasseiam terrenos para culturas, especialmente regadios (…)” ».
Foi necessário mover influências políticas. O Conselheiro José Dias Ferreira, natural da vizinha freguesia de Pombeiro da Beira, que contava com bons amigos no nosso concelho, era um político com muita influência. De personalidade forte, conhecida pelos sua actividade universitária e de estudos jurídicos, bem como na área política onde era muito crítico dos partidos políticos, sendo considerado de tendência esquerdista, situando-se na linha radical do nosso liberalismo, que o afastava do Poder. Era firme nas suas opiniões e por elas batia-se com veemência, chegando a ter a alcunha de “patuleia”. A sua participação no Governo foi em épocas excepcionais, quando o rotativismo dos partidos não funcionava. Foi Ministro da Fazenda em 1868, após a Janeirinha, num ministério extra-partidário e de transição, e depois em 1870, foi-lhe confiada a mesma pasta e a do Reino, no gabinete formado por Saldanha. A sua influência na decisão daquela obra da Rua da Ponte foi importante e os goienses reconheciam, dando-lhe o seu nome. Assim, em sessão da Câmara Municipal, a 17 de Dezembro de 1892:
« O senhor vereador Dr. Cortez [era Augusto César Cortez] disse que, sendo certo dever-se aos grandes esforços do Exmo Senhor Conselheiro José Dias Ferreira, actual Presidente do Conselho de Ministros, a passagem da estrada Distrital nº 57 pelo centro desta vila, de que resultou para a mesma povoação, além de outros benefícios bem visíveis, o aformoseamento da chamada Rua da Ponte, a qual anteriormente era não só apertada e tortuosa, mas insalubre por ser demasiada humidade, como justa homenagem a tão erudito como prestantíssimo e glorioso cidadão, a referida rua passe desde hoje a denominar-se “Rua Conselheiro Dias Ferreira”. Aprovado por unanimidade (…) ».
Naquele ano de 1892, o rei D.Carlos apelara a novo governo provisório de coligação, « ...na fase mais aguda desta temerosa crise económica que avassalou o país, foi novamente chamado Dias Ferreira aos Conselhos da Coroa, sendo-lhe confiado o encargo de formar um governo que tivesse a energia e a independência necessárias para, pondo imediatamente de parte a opinião política, atacar de frente e debelar a questão económica. As medidas a que o estadista então tomou foram enérgicas e acertadas e com tanta prudência e são critério se conduziu que não obstante as grandes perturbações internacionais que se receavam, os negócios públicos começaram a regularizarem-se, a crise a decrescer sensivelmente e, consequentemente, os ânimos a acalmar-se. », escreveu um seu biógrafo.
José Dias Ferreira não voltaria mais ao poder. Morria em 12 de Setembro de 1907, tendo sido muito sentida em Góis a sua morte. A Câmara Municipal exprimiu então um voto de pesar “por um dos melhores amigos de sempre”.