ARTES E OFÍCIOS
Artur da Fonte
Artur Domingos da Fonte nasceu no Colmeal a 9 de Maio de 1953.
Emigrou aos 14 anos. Trabalhou na Fundação C. Gulbenkian. Actualmente Integra os órgãos sociais da U. P. F. C. PEQUENAS MINIATURAS, GRANDES MEMÓRIAS
Visitei recentemente a exposição de miniaturas do Artur da Fonte, no Colmeal. São produções em madeira que recriam e retratam, individualmente e por conjuntos, situações e instalações atuais ou que o tempo e as necessidades de quotidiano já transformaram, utensílios e ferramentas cuja funcionalidade desapareceu com o desaparecimento das atividades que serviam.
Fruto da fundura das raízes que prendem o autor às origens e de um espantoso processo de miniaturização e interpretação estética, entre as miniaturas podemos ver utensílios singulares, que encantam pela fidelidade e beleza, construções, que integram ou integraram o casario local, parecendo uma povoação sobre a antiga arca do milho que as acolhe, e um número incontável de conjuntos alusivos a situação e atividades. Entre os primeiros, de que faz parte a bruxa calorosa - e saudosa pelo aconchego que proporcionava -, permito-me destacar a tabuinha de engomar feita de propósito para pôr o ferro elétrico minúsculo que o António dos Santos lhe ofereceu … “E que funciona!” No campo das construções, recordo a igreja, que nos saúda logo à entrada, a capela do Senhor da Amargura nos anos sessenta, a sede da Junta de Freguesia, a escola, o lavadouro, habitações, o moinho de porte redondo pouco frequente, que o temporal já levou, e aguarda recuperação … Um trabalho simplesmente fantástico e indescritível, tal como o que corporiza os conjuntos temáticos, em que avultam o interior de salas e quartos, da antiga loja da “Ti” Maria, de moinhos e de um lagar, de uma cozinha espetacular com caniço e castanhas, cão e gato, de uma capoeira com galinhas, de um palheiro, de uma adega polivalente … Visíveis, também, várias atividades e muitos equipamentos domésticos e comunitários, como o forno, o alambique, a nora e outros engenhos. Enfim, uma admiração: as miniaturas em si próprias e a complexidade e diversidade presentes! Por mim poderia ficar ali indefinidamente, a descobrir novos pormenores, e a maravilhar-me com a beleza e a riqueza da informação que as peças comportam. A propósito, dizia-me o Artur que gosta especialmente da obra “As sobras”. Ora bem!, ou não servissem a arte e o artesanato também para evidenciar valores, como o espírito de poupança, uma reminiscência da ruralidade, que a crise económica está a tornar universal. Na minúcia de que se revestem, as miniaturas do Artur revelam sensibilidade, destreza e memória visual, uma vez que para as fazer recorre frequentemente apenas à imagem que delas guarda. É o caso do engenhoso batoco, que o Artur chama “Espanta praga”, um dispositivo que o “Ti” Manuel do Canto tinha numa fazenda, a espantar pouco os pássaros e muito as pessoas que não resistiam ao fascínio do mecanismo! Outras peças revelam humor e ironia, no modo como apontam para a experiência pessoal e para uma realidade social em que as crianças praticamente não o chegavam a ser, tão cedo viam substituído o direito a brincar pelo dever de trabalhar! É o que acontece com o conjunto “Os meus brinquedos”, que junta aos habituais brinquedos de fabrico caseiro a roçadoira de ir ao mato, que é uma ferramenta. - A roçadoira era um objecto com o qual eu brincava muito! Era mesmo obrigado a isso. - O mato era usado como cama e alimento para o gado, que o transformava no estrume imprescindível para nutrir a terra pouco fértil. Por isso se ia ao mato todos os dias, implicando a tarefa roçar o mato dobrado sobre o chão qual ceifeiro/a, fazer o molho com jeito para que não se desmanchasse pelo caminho, transportá-lo às costas até casa, pelas veredas inóspitas da serra. Perante um “Carro manual” semelhante a um de bois, o Álvaro, que estava connosco, recorda que em miúdo teve uma carroça igual àquela. Ia à lenha com ela acompanhado de dois amigos irmãos, que ainda hoje parecem guardar uma pedra no sapato sobre o assunto. “Eh pá!, eras mesmo mau! Então não podias ter-nos deixado ficar com mais alguma lenha?!” - Como a carroça era minha e era pequena, vinha cheia até à altura dos fueiros com lenha para mim, e só depois é que trazia mais uns paus para eles. Não era fácil, a carroça não tinha travões nem nada, nós não tínhamos força … - Mas era uma viatura a três cavalos!, acrescenta o Artur, divertido. Reportando-se a um contexto socioeconómico em que os animais de tração tendiam para ser raros, na sua singeleza narrativa, este episódio reflete a transição do transporte às costas ou à cabeça para a utilização de veículos com rodas que as pessoas puxavam. Começaram por ser em madeira, hoje são metálicos. As miniaturas encontram-se legendadas com etiquetas que praticamente fazem parte delas, solução interpretativa que ajuda a remeter para as memórias que evocam. . O Artur começou a fazer miniaturas em 2008, como forma de ocupação dos tempos livres, a tradição assim reinventada a partir de um valor contemporâneo. Escolheu o trabalho em madeira, entre outras razões, porque já em pequeno gostava de a trabalhar, sendo ele que fazia as reparações lá em casa, construía as capoeiras, fazia as sebes … Daí a alegria patente na voz, quando há uns anos me dizia, a propósito de consumo, que gostava de comprar ferramentas! O que então entendi como um elogio ao trabalho era, afinal, uma manifestação da vocação artística que veio a concretizar, ele que tão íntimo foi da arte em algumas das suas expressões mais elevadas. Iniciou-se na miniaturização em madeira com um carro de bois “inspirado num que vi lá em sua casa”. Uma grande honra para o carrinho obra do meu pai! No seu processo criativo, o autor conta com o apoio incondicional e qualificado da Luisa, sua esposa, cuja opinião o pode levar a reformular completamente as peças que constrói, no silêncio recolhido do sótão, e só depois submete à sua consideração. As miniaturas ocupam a loja da casa do Artur no Colmeal, convivendo, naquele espaço próprio ou próximo do contexto social de produção a que pertenceram, com ferramentas e utensílios autênticos, que foram da sua mãe, e que os irmãos até gostaram de ver expostas. Num registo de partilha que importa referir, o espaço costuma estar aberto à curiosidade e ao apreço dos visitantes. Funciona para uns como fator de orgulho e pertença, para todos, como núcleo museológico, onde os objetos ganham vida pelo poder da palavra, transformando-se em memória e tornando protagonistas da história as pessoas que os construíram, utilizaram e preservam, no passado e no presente. Parabéns Artur! Com as suas miniaturas revisitei a infância distante, com elas pensei que saberemos resistir e persistir na senda do futuro. Parabéns também à freguesia do Colmeal, por tantos dotados e devotados filhos, artistas, artesãos e artífices dos mais diversos ramos de atividade. Lisete de Matos Açor, Colmeal, 30 de Setembro de 2012. |