A Igreja Matriz de Vila Nova do Ceira, na Várzea Grande, é, para a generalidade dos varzeenses, o principal ícone da sua freguesia, a menina dos seus olhos. E têm razões de sobra para isso. Para além da espiritualidade que naturalmente emana, como centro principal religioso que é, de um povo católico praticante, arreigado a tradições, a sua traça (que a torna uma das mais graciosas igrejas do concelho), o seu adro (amplo e aprazível local da vida social e cultural, de animadas festas de convívio e de tertúlia dos muitos ilustres varzeenses que prestigiaram o concelho) e a sua situação geográfica (no centro do movimento social e comercial), fazem desta igreja um pólo de atracção, para quem a habita ou para quem a visita. Mas também ela traduz o forte espírito comunitário dos seus paroquianos.
Duas datas simbólicas marcam a vida desta igreja: 20 de Julho de 1655, em que foi sagrada como igreja matriz da freguesia, e 25 de Dezembro de 1885, quando inaugurado o novo edifício, construído sobre as ruínas do anterior, entretanto demolido. Anteriormente a 1655, a igreja matriz da freguesia era na Várzea Pequena, localizada entre a Mata e a ponte, no antigo Passal. Julga-se que, nos primórdios, o centro principal de toda a Várzea de Góis, e quiçá de uma região mais abrangente, seria ali, na povoação da margem direita do rio Ceira. Chamavam-lhe Várzea da Igreja, enquanto a outra, para além do rio, era a Várzea d´além. Com o passar do tempo, alterou-se a sua importância relativa, por a margem esquerda se ter desenvolvido mais rapidamente. Já em 1527 se verificava uma diferença significativa do número de residentes: pelo Censo então realizado, havia 77 na Várzea Maior e apenas 27 na Várzea Menor. As próprias denominações na época, Maior e Menor, também não deixavam dúvidas. Entretanto, devido à degradação da igreja matriz, tornou-se necessário construir uma nova e, com toda a naturalidade, foi decidido ser na Várzea Maior, sede de freguesia. A povoação tinha dois aglomerados de casas, um junto à Igreja do Mártir, que dava o nome ao bairro, o bairro S. Sebastião, outro, para o lado nascente, o bairro S. Pedro, e seria neste onde seria edificada a nova igreja. A Várzea Maior passaria a denominar-se Várzea de S. Pedro e só mais tarde Várzea Grande, enquanto a outra, em oposição, Várzea Pequena. A nova Igreja, matriz de toda a paróquia da Várzea de Góis, seria sagrada em 29 de Junho de 1655 pelo Prior de Pombeiro. Durante algum tempo, antes de concluída, os serviços religiosos fizeram-se provisoriamente na Capela de S. Sebastião, ao Mártir, certamente por a antiga igreja da Várzea Menor já não ter condições. Após cerca de 140 anos, no final do século XVIII, a Igreja de S. Pedro necessitava de grandes reparações, tendo sido reedificada praticamente quase toda, desde os alicerces, aproveitando-se apenas o altar - mor. As obras, custeadas pelo povo, duraram cerca de três anos e a igreja foi benzida em 22 de Janeiro de 1803. Parece não terem sido muito felizes estas obras. Pois, pouco tempo depois, na década 40, tornava-se necessário proceder a reparações, que se foram sucessivamente prolongando pelas décadas seguintes. O estado da igreja era mau. As paredes, as cantarias, o tecto, os soalhos, o madeiramento, as tampas das sepulturas. As despesas eram insuportáveis, os impostos e donativos não chegavam, agravado pelo facto de ter havido pouca produção de vinho durante muitos anos, sendo ele o principal produto da freguesia. A situação tornou-se crítica. Em Outubro de 1876, foi então ponderada a construção de uma igreja nova. Já se tinha entretanto construído o cemitério, exigido por lei, totalmente suportado pelas finanças da freguesia. Em 1878 foi paroquiar a freguesia e presidir a sua Junta, o padre António Maria de Melo e Nápoles, da Casa da Lavra, de Góis. Era no tempo em que o padre tinha o estatuto de pai da comunidade. Era o prior da paróquia, o pároco do conjunto dos fiéis, o seu director espiritual, mas também o prior da freguesia, o “primeiro”, com o papel de intermediário entre poder civil e o povo rural. Vigorava nessa altura o Código Administrativo de 1842, pelo qual o reino estava dividido em distritos e concelhos, tendo sido suprimidas as freguesias da organização da administração pública, limitando-se o seu poder a administrar a Fábrica da Igreja e os bens da paróquia. Mas nesse mesmo ano de 1878, sai um novo código, o de Rodrigo Sampaio, que repõe o estatuto de freguesia no ordenamento do reino. José dos Santos Carneiro, vereador da Câmara Municipal, é eleito Presidente da Junta, com António Maria Barata Lopes de Carvalho, da Quinta da Costeira, José Monteiro, António da Costa Garcia e António Maria de Matos. Seria o pároco Melo e Nápoles e o presidente Santos Carneiro encarregados de proceder à angariação de fundos, um ponto crucial para se poder dar início à construção. Foi estabelecido um processo de recolha das verbas, através de contribuições e donativos, vindo então ao de cima o espírito comunitário da freguesia e a colaboração sobretudo dos que mais podiam dar, para levar a bom termo uma obra que era para toda a comunidade. A todos foram solicitados donativos, dos menores aos maiores contribuintes, das altas personalidades da região ao Bispo da diocese, do Ministério das Obras Públicas ao longínquo Brasil, onde residia Monteiro Bastos e outros patrícios. E de toda a parte choveram donativos individuais, uns simples, outros mais significativos, como foram, por exemplo, um altar, uma parte do coro, as pinturas, as douradas, ou a mobília. Depois de garantido um considerável apoio financeiro, a Junta da Paróquia decide então, em Maio de 1879, dar início às obras da nova igreja, no local da antiga. A construção demoraria cerca de seis anos, não deixando de se passar por momentos de apertos financeiros, obrigando mesmo os membros da junta a responsabilizar-se individualmente por empréstimos feitos. Seria solenemente inaugurada em 25 de Dezembro de 1885, um dia que passaria a ser duplamente natalício para a comunidade varzeense. Esta igreja é assim um bom exemplo de espírito comunitário.
Os sinos e o padre Venâncio Gomes da Silva «Foi a 7 de Março de 1855 que o sino grande da igreja matriz de então se lançou do alto da torre, sem pára-quedas, vindo estatelar-se cá em baixo no solo, ficando muito maltratado. O outro sino, mais pequeno, começou a ameaçar seguir o companheiro e foi necessário tomar sérias providências. O sr. padre Venâncio Gomes da Silva, que há mais de vinte anos era o pároco da freguesia e ainda o foi por outros vinte e que ao tempo era o presidente da paróquia, reuniu esta imediatamente, oficializou a ocorrência e disse que, se a Junta concordasse, se deveria fundir novamente o sino, por ser de grande utilidade pública. Os restantes membros da Junta, que eram Domingos Carneiro e José Rodrigues Barros, com o regedor Luís Rodrigues de carvalho, que estava presente, (…) É certo que, além da fundição do sino grande, era indispensável fazer duas cabeças novas, de madeira e ferro, uma para o sino grande que se havia de fundir, pois o seu mal tinha tido origem na sua má cabeça, e outra para o sino menor, que a custo se segurava na torre, padecendo também da mesma doença, e só estas duas peças consumiam a quantia de 13:000 reis. Além disso, o sino grande não era para brincadeiras, pois pesava 405 quilos, visto que primitivamente às suas vinte e três arrobas se haviam adicionado mais quatro, quando em 1798 se fundiu de novo por estar quebrado (…) Mas não desanimando com facilidade, o padre Venâncio convocou os juízes das confrarias do Santíssimo e da Nossa Senhora do Rosário, respectivamente, Joaquim Lopes de Carvalho e José Henriques Garcia (…), mandando-se fazer a fundição, após abertura de concurso, vindo a ser feita por José de Argus, conforme ainda hoje se lê no próprio sino. Não se deve confundir esta fundição com aquela que, passados dezassete anos, em 1873, foi feita por José Augusto dos Santos, de Parada de S. João de Areias, ou simplesmente José Augusto, como está gravado no bronze, porque esta foi a do sino menor que a Junta entregou quebrado ao artista (…) para devolver outro fundido de novo, não de menores dimensões e com som igualmente agradável (…). O sino velho pesava 185 quilos e o novo, que foi recebido em 3 de Janeiro de 1874, pesou 219,765 quilos (…) Os sinos deviam ter feito muitas camarinhas de suor na testa do padre Venâncio. Mas este não desanimava com facilidade e assim pastoreou a freguesia mais de quarenta anos, com bastante energia, e presidiu à sua Junta de Paróquia, em tempos fartamente evolutivos, desde 14 de Fevereiro de 1841 a 15 de Novembro de 1876. O seu nome merece bem a veneração do povo desta freguesia.» (Armando Simões, Jornal de Arganil, 11.3.1954)
Nota – Um artigo de Dr. Armando Simões, publicado no Arquivo Histórico de Góis, serviu-me de apoio a este texto. Ali podem se recolhidos informações mais detalhadas.