Durante o rotativismo político, em que os partidos se revezavam no poder, 1865 foi um ano especial em instabilidade governativa. Depois de vários governos, com pequenos intervalos, acabaram por se “fundir” as duas correntes tradicionais de então, os históricos e os regeneradores, tentando proporcionar um governo duradouro. Isso fez criar-se um novo partido, o Partido Popular, depois chamado Partido Reformista, que em breve estava no poder. Para além da instabilidade política (ou por causa dela), era má a situação económica, propondo-se medidas orçamentais gravosas. Talvez pela primeira vez, aparecia uma linguagem em que se falava da necessidade de restrição dos quadros de funcionalismo. Estava em vigor o Código Administrativo de 1842, e pensou-se em alterá-lo, nomeadamente reduzindo o número de concelhos. Entre outras condições, passava-se a exigir um mínimo de 3000 fogos. E surgia um novo Código. O concelho de Góis tinha 2885 fogos, já contando com a freguesia de Alvares, que fora incluída no seu espaço, na década anterior. Daí, a reacção das nossas forças vivas, mostrando as potencialidades da terra.Com a data de 2 de Novembro de 1867, a Câmara Municipal de Góis enviava a seguinte petição ao Paço Real (não alterámos a ortografia):
« Senhor,A Camara Municipal do Concelho de Goes por si, e com fiel interprete do sentimento de seus administradores, vem hoje com os maiores contribuintes do Concelho, e mais cidadãos elegiveis abaixo assinados, depor respeitosamente aos pés do Throno da Vossa Magestade uma petição de manifesta justiça e conveniencia publica, e como tal nas circunstancias de ser favoravelmente deferida pelo integerrimo e sabio Governo de Vossa Magestade. Pretendem hoje os supplicantes a conservação e augmento do seu Concelho, e mais tarde a creação no mesmo d’uma Comarca pelas razões que então melhor se expenderão; o que tudo se achar manifestamente comprehendido na letra e espirito das novissimas reformas administrativa e judicial, como se deduz da seguinte narração dos factos mais notaveis e adequados ao pendente assumpto. Goes é uma villa das mais antigas e notaveis do districto de Coimbra, como comprovam os seus permanentes vestigios e tradições historicas. Acha-se situada na margem direita do perene e aprasivel rio Ceira, tendo do outro lado alguns moradores junto á antiquissima e optima ponte de cantaria, que dá passagem para esta villa áquelles e aos demais moradores da margem esquerda do mesmo rio. É com efeito a terra mais commercial do alto districto de Coimbra, tem um mercado domingueiro, outro mensal, e tres grandes feiras annuaes, aonde, alem d’outros objectos, se vende gado bovino e ovino, bem como uma grande parte dos cereais e outros generos da alta Beira e de outros Concelhos limitrophes, e costumam concorrer em grande numero os habitantes dos mesmos concelhos, e mui especialmente das freguesias de S. Miguel, S. José das Lovegadas, do Concelho de Poiares, de Pombeiro, Celaviza e Ceppos, do Concelho de Arganil, e Pecegueiro, Maxio, Cabril, Fojo e Pampilhoza, do Concelho deste nome. Tem esta notavel terra bastantes loges bem sortidas de lanificios nacionais e estrangeiros, de fasendas brancas, algodões, sedas, linhos, ferro e outros objectos de primeiras necessidades.Tem mais duas boas praças, uma denominada a praça principal, e outra a do Pombal; tendo esta 2344,5 metros quadrados, aquella 1000 m2, alem do terreno destinado para a feira do gado bovino e suino. Tem mais uma boa casa ha pouco construida, com a capacidade necessaria para as sessões da Camara; tendo alem disso muitos e bons predios para alugar a quaisquer empregados que de novo hajão de habitar n’esta terra. Tem tres pharmacias, bem administradas, um medico e alguns advogados, duas cadeiras de instrução primaria para os dois sexos, um correio diario, tem mais uma optima fabrica de papel (na Ponte do Sotão) e tem finalmente o pessoal duplicadamente necessario para a reeleição de cargos municipais e mais de 70 para Deputados da Nação, como comprovam as assignaturas dos abaixo… [?]. Tem este concelho alem da antiga ponte sobre o rio Ceira, mais a da Cabreira ha pouco construida, seis de alvenaria também ha pouco construidas em differentes pontos do Concelho que lhes dão communicação e aos povos dos limitrophes e bem assim outras de páo de interesse local. É fertilissimo de todas as produções agricolas e muito principalmente de milho, azeite e castanha. Tem este Concelho de Norte a Sul trinta e quatro quilometros, e de Nascente ao Poente trinta e seis, na conformidade do mappa junto por copia, e tem dois mil oitocentos e oitenta e cinco fogos, cujo numero é muito superior ao dos limitrophes, ao da Pampilhosa que tem 2051, ao da Louzã que tem 2191 e ao de Poiares que tem 1428, aos quais por isso não podem conservar-se desmembrando o de Goes, por ser este Concelho, alem de mais populoso, muito antigo, mais consideravel, e o grande centro de relações agricolas e commerciais entre todos elles, cujos habitantes são muito conformes nos seus habitos e produções agricolas e industriais. Pelo mapa junto se mostram os nomes das freguesias, numero de fogos e as suas direcções aos quatro ventos, com limites naturais de montanhas e rios, e todas as freguesias em relações commerciais com Goes por causa dos seus optimos mercados. São limitadas todas estas freguesias do Norte ao Nascente pelas cordilheiras de S. Domingos, Aveleira, Cabeço do Gato, Serra… [?], e do Vidual, e que são continuação da Serra d’Estrela; do Nascente ao Sul pelo rio Zezere; do Sul ao Oeste pelas Serras de Trevim e Louzã; e do Oeste ao Norte pela Serra da Ponte de Mucella e rio Alva.Do exposto pois resulta que neste Concelho se verificam todas as circunstancias prescriptas no artigo 8º da citada reforma, e por conseguinte que lhe deve conservar-se com as freguesias dos Concelhos visinhos na conformidade do respectivo mappa (…) » (com cerca de 150 assinaturas)
O assunto seria ultrapassado com a revolta popular, ocorrida dois meses depois, que para a História ficaria conhecida por “Janeirinha”, por ter ocorrido em Janeiro. Um movimento de protesto, com implantação sobretudo no norte do país, contra o agravamento da carga fiscal, nomeadamente a criação do novo imposto que iria começar a ser aplicado no dia um de Janeiro. Diga-se, por curiosidade, que, como consequência, começou a publicar-se, nesse mesmo dia, o jornal “O Primeiro de Janeiro”. O governo caía, o código não chegou a entrar em vigor e Góis mantinha se como concelho.