A Páscoa na minha aldeia (…) Chegou o domingo de Páscoa! Na minha aldeia, no Domingo de Páscoa, todas as pessoas se levantam cedo, fazem alguns bolos, como pão-de-ló, algumas sobremesas, como aletria, arroz doce e filhós, deitam o cabrito ao forno com as batatas assadas e preparam a mesa da sala com uma toalha branca e sobre ela colocam os pratos, talheres e copos. Vão à missa com a sua roupa nova. Quando regressam, já o cabrito está pronto, a mesa posta, é só reunir a família e ir para a mesa. Depois do almoço, toca a preparar a mesa com toalhas de renda ou linho, bordadas à mão. “Põe-se a mesa para o padre”. Com pão-de-ló, amêndoas, filhós, queijo fresco e vinho, para tudo estar pronto para receber a compasso. À tarde, esperamos em nossa casa, ou junto à primeira casa que vai ser visitada pelo senhor padre e os seus ajudantes, que percorrem todas as casas para beijar a Cruz (o chamado compasso). Para anunciarem que estão a chegar à aldeia, as crianças tocam o sino da capela. As portas das casas estão abertas, enfeitadas com ramos de alecrim e loureiro nas portas e paredes, tapetes de alecrim, louro e folhas de camélias para o Sr. Padre saber que ali se entra. No compasso vai o Sr. Padre e um grupo de crianças e adultos. Uma pessoa leva um crucifixo florido, outra leva a água benta, outra leva a sineta e outra vai com um saco para meter o dinheiro. Todos a cantar a canção: “Jesus ressuscitou (…)”! Todo o compasso entra nas casas, menos o da sineta que fica na rua a tocar a sineta, para avisar as outras casas que o compassa está perto. Entram em casa, à volta da mesa encontram-se as pessoas, à entrada da sala os donos da casa. O Sr. Padre entra e com água benta, benze a casa, dizendo “hoje é o dia em que o Sr. Ressuscitou aleluia, aleluia, aleluia”. Cumprimenta os donos da casa e família directa. A pessoa que leva a cruz eleva-a à família e aos presentes, para todos darem um beijinho no Jesus. Um dos ajudantes recolhe o dinheiro para o saco, outros, as amêndoas, que no final são distribuídas pelas criancinhas. Após a oração e a bênção, os donos da casa oferecem o que está na mesa, pede-lhes que comam e bebam à sua vontade. O padre confessa que lhe apetecia ficar ali, mas que ainda lhe esperava uma longa caminhada. Em seguida, vamos também para a casa dos vizinhos e familiares beijar Jesus. O senhor padre e os ajudantes demoram a tarde inteira a visitar casa a casa. Depois, na última casa os donos dessa casa oferecem o lanche a todos. Na minha aldeia é quase sempre em casa da Beatriz, que a todos brinda com as suas iguarias. O dia termina com confraternização com as pessoas juntas a festejar a ressurreição do senhor. No Domingo de Pascoa também se dá o folar aos afilhados, na minha aldeia os afilhados oferecem aos padrinhos o ramo que foi benzido Domingo de Ramos e os padrinhos dão aos afilhados roupa de vestir, ou para o enxoval, dinheiro e o chamado folar (bolo doce com um ovo). E é assim a Páscoa na minha aldeia.
Eugénia de Santa Cruz 2010
Páscoa (…) E pena tenho de a todos não brindar, pois lembro com muitas saudades o prazer que sentia ao ser presenteado pelos meus padrinhos. Na minha aldeia não há especialidade no presente; tudo serve, mas, originariamente, deveria ser o afamado “bolo doce” que só costuma ser fabricado nesta ocasião. E que não será talvez, este ano, tal a quantidade de ovos, açúcar, manteiga e fina farinha de trigo que exige. A visita pascal na vila tem lugar no Domingo; de casa em casa, o sr. Prior, de sobrepeliz e estala, de sua autoridade, acompanhado de um opado com a cruz, símbolo da sua jurisdição, e de outro com a caldeirinha e hissope, distribui cumprimentos de boas-festas aos seus paroquianos e fregueses. Tilinta a campainha, a canalha meuda (pequenada) acompanha, pois às vezes acontece que as amêndoas lhe cheguem, e aí vão… Todos os soalhos foram escrupulosamente esfregados, os moradores, incluindo criadagem onde a haja, aguardam no cimo da escada que a portada, escancarada, oferece. No melhor compartimento, em alvura de toalha, o prato antigo ostenta a oferta, sempre em moeda de prata, algumas cravadas em doirado laranja. O sr. Prior, como sempre, não levanta folar na vila e nem sempre aceita molhar os lábios num cálice, adoçar-se com amêndoas, pois assim o manda a prudência, bem recomenda aos acólitos que, se aceitassem, como a gula e a sede lhe pedem, não ultrapassaria uma rua… Boas-festas!... lá vai uma hinapada mais rija daquele “fedelho”, dobrada aquela serigaitita sempre noiva… -Então, quando?... Lá estou esperando!... e toda a casa ri, toda resplandece com alegria, pois que o visitou Nosso Senhor, a quem mãos devotas furtaram uma flor da sua cruz, mas onde colocaram outras, das mais lindas e perfumadas… Se devota e respeitosamente, nunca deixei de aguardar o meu pároco, à porta, nunca o acompanhei à saída. É que mal volta costas, com minha irmã, quando a tinha, depois com os filhos e agora com netos, é qual mais ligeiro conquista o folar esquecido e, não sei porquê, serem sempre o prejudicado no amealhar, mas o enriquecido com a alegria deles. Depois o jantar da festa. Nos dias seguintes, semana toda, por aqui, por acolá, de povo em povo, de monte em monte, de vale em vale, lá vai… almoçando e jantando nas casas de respeito, como é de costume. Entretanto, desta banda, vem cestadas de galinhas, daquela de ovos, desta outra de queijos. Aqui: -Oh moça!, olha que a galinha do ano passado era velha; como não prestava, ficou para o padre a roer, ora assim, roi-as tu, que tens bons dentes!... Acolá: -Oh feireira!, não me dês ovos chocos; os dessa qualidade guarda-os para as tuas gemadas que bem precisas… Adiante: -Os teus queijos tinham falta de sal, não tens paladar, hei-de baptizar-te outra vez… E tudo ri; há granadas de oiro no céu, nas mimosas em flor, sorrisos de rosas, nos pessegueiros, ópalos nas macieiras, farrapos de véus de noivas nas ameixoeiras; a Primavera radiosa acende fogachos em todos os peitos, beijos em todos os lábios, esperanças em todos os corações… -Adeus, sr. Prior, já estou a engordar quatro galinhas para lá lhe levar p’ramor do meu casório… e olhe que não são chocas… -Leva, leva, rapariga, e não descanses, enquanto choca, te não veja também…
Polypio (pseudónimo de Mário Ramos) (Diário de Coimbra, coluna 'Esboços', 29.3.1932)