Pedra Riscada foi a denominação usada pelo Prof. Castro Nunes nos seus trabalhos de investigação em três petróglifos, em homenagem a um natural local que lhe indicou a sua existência. Situam-se na zona das Mestras, freguesia de Cadafaz. Embora praticamente desaparecidas com o passar do tempo, aqui deixamos algumas das suas características. Servimo-nos da monografia que o Professor Doutor João de Castro Nunes publicou em 1974, em colaboração com o Padre Augusto Nunes Pereira, dando conta dos seus trabalhos. «… (situam-se) na vertente em anfiteatro que, do alto das Malhadas e de Entre Capelos, desce para o Lugar das Mestras, numa exposição semelhante à da Pedra Letreira, virada à Serra do Penedo… (…) Na altura em que procedemos aos trabalhos necessários para o estudo e publicação da “Pedra Letreira” (…) longe estávamos então de suspeitar que, para nordeste, passando a alto de Entre capelos, em idêntico cenário de xisto e urze, novas insculturas haviam de tão cedo solicitaras nossas atenções. E a surpresa foi tanto mais fascinadora quanto é certo que elas nos vinham permitir ampliar consideravelmente o horizonte cultural das manifestações da arte rupestre numa zona do país onde, até há bem pouco, eram desconhecidas em absoluto quaisquer monumentos desta espécie. Com efeito, os petróglifos das Mestras, tanto do ponto de vista da morfologia como da técnica, nada tinham em comum coma “Pedra Letreira”. Era como se pertencessem a um outro mundo tribal, ou não fossem da mesma época. Pareciam, à primeira vista, não fazer do mesmo ciclo de cultura. Enquanto, na “Pedra Letreira”, o processo utilizado foi de abrasão, na “Pedra Riscada” foi de percussão, o que em princípio estabelece para este último complexo petroglífico uma cronologia mais recente…
Mestras I Trata-se de uma bancada de xisto, de estratificação vertical orientada no sentido sudeste-noroeste, como a “Pedra Letreira” (…) é nesta face horizontal que se encontram as gravuras, dispostas em friso, sobre o comprido, no sentido da linha dos estratos, medindo a superfície insculturada, na borda da fraga, onde esta caia prumo sobre o chão em declive, quatro metros e meio de comprimento por meio de largura, aproximadamente. (…) São dez ao todo as figuras que apresenta este petróglifo, sete do tipo idoliforme e três do tipo cruciforme ou antropomórfico (…) No seu conjunto, pois, a ideia do petrófilo parece andar à volta do binómio ídolo-homem, como se santuário se tratasse. É pura hipótese, naturalmente. Mas a correlação não deixa de ser deveras sugestiva. De qualquer forma, estamos em presença de um petróglifo que nos impressiona pela impureza e simplicidade dos seus símbolos, num todo de concepção muito fechada. Simples e impenetrável ao mesmo tempo. É como se um véu de mistério o envolvesse a guardar segredos tribais que só aos iniciados caberia compreender e decifrar… Mestras II É um terraço horizontal de xisto, desafrontado, amplo e plano, constituído por uma série de placas verticais dispostas paralelamente, como as folhas de um livro (…) Nem toda a superfície está gravada (…) o conjunto da superfície insculturada tem 4x1,20 m (…) As figuras deste petróglifo são em número de 17, sendo 10 do tipo convencional designado por idoliforme e as restantes em forma de ferradura, uma das quais aparentemente inacabada. (…) Estes sinais são vulgarmente considerados e interpretados como esquemas antromofórmicos em avançado grau de estilização e a sua difusão não há muito foi estudada por R. Sobrinho Lorenzo-Ruza, que os regista em França, na Espanha e em Portugal, nomeadamente na região de Trás-os-Montes. O que torna particularmente interessante e até original a forma que estes revestem no presente caso é a circunstância de o respectivo contorno arqueado em ferradura apresentar no interior, a cada lado, uma fiada de três pequenas cavidades, pormenor que lhes confere um vigoroso poder de sugestão. Realça o perfil antropomórfico. Claro que da configuração antropomórfica estamos a um passo da concepção idoliforme, dada a forma humana que todo o ídolo forçosamente tem de possuir, como representação que é da divindade, imaginada pelo homem à imagem de si mesmo. Entre humano e ídolo é, pois, dilema de difícil opção. (…) De um cotejo atento e detalhado resulta a impressão de se estar perante um mesmo e único conceito, artisticamente expresso em idênticos moldes morfológicos, mas em diferentes graus de estilização, representando as insculturas de Mestras II uma fase de maior ou mais acentuada esquematização (…) Ídolos, portanto, devem querer também representar os sinais em ferradura do petróglifo em questão. (…) Estamos num lugar de culto, ao que parece, chão sagrado de populações remotas, altar das suas crenças, cenário das suas emoções religiosas. Uma força estranha, como de poder sobrenatural, irradia daquelas fragas. Paira no ar um clima denso de mistério, que perturbadoramente nos intriga e nos confunde (…) Templos naturais do poder divino, catedrais da pré-história, não será um deles, não será uma delas a bancada de Mestras II, como é também a escarpa pintada de Cachão da Rapa, nas arribas do Douro? E porque não também o petróglifo de Mestras III? Porque não todo o conjunto ou complexo da “Pedra Riscada”? Mestras III Entre os petróglifos de Mestras I e Mestras II fica o de Mestras III, mais para poente, para baixo, quem desce em direcção à povoação de Mestras. Os três formam um triângulo, cujo vértice inferior corresponde ao monumento de que vamos ocupar-nos. (…) É uma laje inteiriça, ao nível do solo, acompanhando o pendor da encosta (…) Tem, na totalidade da superfície plana, 9x2 metros, com um campo insculturado ao centro, de 3x1,5 metros. As insculturas agrupam-se em dois conjuntos: um à esquerda (noroeste) de quem vira costas ao poente, com 7 gravuras de perfil bem definido; outro à direita (sudeste), num arranjo um tanto ou quanto confuso, com 6 ou 7 figuras, conforme o critério da respectiva interpretação. O temo dominante é o ídolo (…) Tirando o Cachão da Rapa, não conhecemos no género uma representação petroglífica tão expressiva como a deste monumento, destinado certamente a figurar entre as manifestações mais significativas da arte rupestre portuguesa. Se tivéssemos ainda alguma dúvida acerca do carácter mágico-religioso dos petróglifos anteriores, este dissipá-las-ia em definitivo. Não carece de comprovação. Logo se vê. (…) Aqui é o ídolo a determinante do petróglifo, figura central e centralizadora do conjunto, aliás constituído quase só por ela, 7 ou 8 vezes repetida. O resto é periférico (…) Enfim, mais um santuário certamente lugar sagrado de milenárias liturgias, lajedo espiritualizado pela prática de ignotos ritos a ignota divindade… (…) É ela que, efectivamente, nos faz crer estarmos defronte de um novo e interessantíssimo templo ao ar livre. Enquadrado pelos restantes petróglifos da “Pedra Riscada” e, com eles, dotado de uma inconfundível unidade estilística e formal, é como se fosse o corpo central, o tabernáculo por excelência, de todo este conjunto de monumentos votados, com certeza, ao poder demiúrgico da divindade do lugar. Resta saber se pertencem todos ao mesmo horizonte cronológico e, bem assim, se constituem manifestações de culto das mesmas organizações tribais ou, se se prefere, dos mesmos grupos sociais.
É fácil imaginar, no prosseguimento das constatações efectuadas a propósito do estudo da “Pedra Letreira”, a passagem sucessiva de outros grupos humanos, oriundos das mesmas áreas geo-culturais e impelidos pelos mesmos objectivos: a busca do ouro e do estanho. (…) Entre os gravadores, a traço filiforme, da “Pedra Letreira” e os percutores da “Pedra Riscada”, apreciável número de anos deve, porém, ter decorrido, pois que entretanto novas técnicas surgiram e outras preocupações os dominaram. Vai um número de símbolos das insculturas da “Pedra Letreira” à da “Pedra Riscada”. Não falam o mesmo dialecto. Têm outra gramática. Servem-se, na expressão, de diferentes semantemas. Mas o trilho era o mesmo. A rota mantinha-se pelos xistos fora, matrizes do ouro e do estanho, com fartas aluviões no fundo das barrocas e no leito das ribeiras. (…) Quantos anos se teriam interposto entre os dois processos técnicos? Difícil é dizê-lo, mas séculos, se séculos foram, não seriam muitos. É que um dos petróglifos da “Pedra Riscada”, o das Mestras II, figura um motivo que não nos permite longo distanciamento da cronologia que estabelecemos para a “Pedra Letreira”, ou seja, o apogeu do Bronze, no declinar da cultura megalítica, ao longo do segundo milénio antes de Cristo, confinando-nos a uma terminologia intencionalmente vaga e imprecisa. (…) Impôs-se concluir, assim, que tanto a “Pedra Letreira” como a “Riscada” pertencem ao mesmo ciclo cultural, mas em diferentes estádios do seu processo evolutivo, mediando entre elas o tempo que poderá representar o abandono de uma técnica e o começo de outra. O complexo petroglífico da “Pedra Riscada” situar-se-ia, por esta forma, nos fins do Bronze, muito embora ainda em ambiente megalítico, conhecida como é a longa perduração que, entre nós, parece caracterizara civilização das antas.”