AS ALDEIAS
Freguesia do Colmeal
Freguesia do Colmeal
Carvalhal do SapoCarvalhal é apenas mais uma aldeia com essa denominação, situada na região natural da cordilheira central entre as serras do Açor e da Lousã, administrativamente colocada no distrito de Coimbra, concelho de Góis, situada nas extremas da Beira Litoral, encostada à Beira Baixa, embora seja terra de características bem mais interiores do que litorais.
Sendo por definição e características uma área geográfica fundamentalmente rural, ainda hoje, apresenta traços visíveis dessa ruralidade profunda que lhe conferem uma identidade e carácter distinto. Esses traços consubstanciam-se num conjunto muito próprio de “saberes-fazer”, associados a tradições e costumes antigos, muitas vezes decorrentes de necessidades que permitiram a esta gente ao longo dos tempos vencer, ou pelo menos atenuar, as agruras do meio. A agricultura e o pastoreio eram, no outrora, a sua principal embora deficiente fonte de subsistência. Refiro apenas que, historicamente, esta aldeia, dadas as suas condições naturais e modos de vida ao longo dos tempos sempre foi muito sensível ao fenómeno da emigração, marcados por períodos de surtos migratórios, quer para o Brasil e África, quer para a Europa. No entanto, a maior procura destas gentes foi para os grandes centros urbanos do nosso litoral, especialmente para a área da grande Lisboa, lugares onde se encontra maioritariamente radicada a diáspora dos Carvalhalenses, forçada a aí procurar melhores condições de vida. Como terá aparecido o nome, qual a língua, qual o povo, que terá criado o nome toponímico ou de família? Para além de servir para outras designações como variedade de fruta, como a uva, a pêra, a cereja, a tangerina, ou ainda de uma mata de carvalhos (seja esta a mais provável origem deste topónimo pela ainda significante existência desta árvore). E qual terá nascido primeiro, o topónimo ou o antropónimo? O topónimo de Carvalhal além de vulgar não nos elucida sobre o seu passado. Admite-se que esta região seja habitada desde o calcolítico médio, por volta dos finais do segundo milénio anterior à nossa era, como atestam os conhecidos petróglifos "Pedra Riscada" e "Pedra Letreira". A verdade é tão simples quanto esta, não é preciso ir até aos confins da Terra para descobrir paisagens maravilhosas e em estado (quase) puro. E também não é preciso enfrentar riscos impensáveis para poder gozar de uns belos dias de descanso e comunhão com a natureza, num desses paraísos esquecidos do mundo. Aqui mesmo, nas aldeias da beira serra, encontra esses paraísos. Um património incalculável de paisagens, flora e fauna com belas florestas e rios maravilhosos que nos oferecem aprazíveis praias fluviais com águas cristalinas, que nos convidam a desfrutar deste bem que a natureza nos oferece, com sol e sombra quanto baste. Para que não fique apenas pelo sonho, deixo-lhe aqui o convite, de carro ou a pé, não deixe de visitar este que é um dos últimos paraísos escondidos entre vales e montanhas recheadas de rara beleza, com locais aprazíveis que jamais podemos esquecer, com gente hospitaleira, que, mesmo não nos conhecendo, abre as portas de suas casas e nos convidam a entrar. As fontes de água pura que brota das rochas graníticas são outro dos bens que a natureza nos oferece para que possamos mitigar a sede e satisfazer os desejos do nosso âmago, enfim... um sítio que nos encanta e oferece a maior paz e tranquilidade de espírito, com tudo o que por aqui há de bom! Acácio Moreira "A minha Aldeia - Carvalhal do Sapo", 2009) Carvalhal situa-se no alto do lado do vale. A terra por detrás sobe até ao cume das Caveiras com uma altura de 1029m. A sua posição proeminente proporciona à aldeia uma vista grandiosa sobre o vale de Ceira. A aldeia é fácil de reconhecer por causa do grande edifício branco na encosta por cima da aldeia – as severas linhas do edifício estão fora do lugar e chocam contra a rústica arquitectura das casas de Carvalhal. Da estrada encima da aldeia, olha-se para uma colecção aleatória de velhos e novos edifícios. Dá a impressão que as estradas foram feitas para se ajustarem à volta das casas, em vez de ao contrário, e uma rede de estreitas ruas calcetadas serpenteia-se e divide-se à volta das casas. Quer por planeamento, quer acidentalmente, estas mudanças de direcção evitam que as ruas se transformem em túneis de vento nesta localização exposta. Entre as casas vêm-se ocasionalmente os cumes dos montes e das montanhas distantes. A capela na aldeia é dedicada a São João Baptista e a festa da aldeia foi sempre no dia de São João (dia 24 de Junho, agora é no fim-de-semana mais perto desta data). A capela situa-se na entrada para a velha aldeia. A Povoação é construída com a pedra local e os telhados cobertos de telha serrana, feitas do barro local numa fábrica que outrora existiu no vale abaixo do Carvalhal, na Lomba da Vinha. (…) Carvalhal recebeu o seu nome por causa das muitas carvalhas que costumavam crescer nesta área. A aldeia é oficialmente conhecida por Carvalhal do Sapo, já que no concelho existe uma outra aldeia com o nome de Carvalhal Miúdo. Para distinguir as duas, a Câmara acrescentou “do Sapo” em referência ao rio que passa por baixo da aldeia. Os habitantes, como foi-nos dito, tinham preferido a designação “Carvalhal do São João” segundo o seu Santo Padroeiro. No censo da região de Góis do ano 1527 são ambos os “Carvalhal” mencionados. O actual Carvalhal do Sapo tinha nesta altura 5 fogos. Assim estas duas aldeias coexistiram durante séculos. No topo da aldeia, a danificada e lascada placa de sinalização ainda diz simplesmente “Carvalhal”. No passado estavam por volta de 90 casas habitadas e as pessoas viviam em comunidade e apoiavam-se umas às outras. Como noutros locais nesta região, os habitantes de Carvalhal viviam tradicionalmente da agricultura e do gado. A lã das ovelhas era vendida aos comerciantes que iam de uma aldeia à outra. O Sr. César Moreira, morador da aldeia, recorda-se que viu o último lobo em 1944. Os lobos roubavam muitas cabras e ovelhas e de noite podia-se ouvi-los a uivarem. Os aldeões eram proibidos de fazer carvão (por ordem da Junta de Freguesia) mas algumas vezes faziam-no na mesma na escuridão da noite. O Carvalhal também tinha muitos castanheiros. As castanhas eram secas em caniços por cima do lume, depois pisadas para saírem as cascas e guardadas em arcas, para assim poderem usufruir deste alimento durante todo o ano. Como havia muita abundância de castanhas também eram vendidas para a região de Pampilhosa da Serra. (…) Na Ribeira do Carvalhal havia antigamente oito moinhos para moer o milho e centeio. Estes eram o Moinho da Foz das Vinhas, o Moinho dos Azereiros e cinco moinhos em fila na Ponte da Ribeira que moíam com a água da mesma levada. Na Ponte da Ribeira também se encontrava um lagar. (goisproperty.com) Recordar o Carvalhal no antigamente (…) E esse maior interesse pela vila [Góis], só acontece porque esta geração mais nova não desfrutou daqueles prazeres de antigamente passados no Carvalhal, as sementeiras agrícolas, trabalho árduo, mas que era sempre desempenhado com o maior afinco, e a maioria era sempre executado em entreajuda, fosse agarrado ao cabo de uma enxada, de um ancinho ou a rabiça do arado, tudo feito na maior harmonia e camaradagem. Não esquecendo as sementeiras das ribeiras, onde havia sempre lugar a uma bem merecida mas curta sesta após o almoço, tomada quase sempre à sombra dos salgueiros ou outra árvore que oferecesse a melhor sombra, que nem sempre era aproveitada da mesma maneira por todos; enquanto uns dormiam, outros divertiam-se a pregar partidas, a mais usual era atar as pernas ou coser as calças nas pernas a algum que se deixasse adormecer e, quando fosse acordado para o reinicio aos trabalhos, dava-se a hora do riso, pois era óbvio que não se conseguia levantar e caía... era chegada a hora de aparecer alguém arvorado em bom samaritano para cortar as linhas ou as cordas que cosiam ou atavam as calças. Havia sempre lugar ao trabalho e ao divertimento. Depois de um dia de trabalho duro, ainda havia disposição para ir para o largo da cruz da rua e fazer um baile até as tantas, ahhh… e como era saudável, onde novos e idosos se divertiam dançando ao som da concertina, da guitarra ou muitas vezes só ao som da harmónica (gaita de beiços) ou flauta, nome por que era mais conhecida nesta região. Chegada a época das colheitas do milho, era uma azáfama, tinha de ser colhido e seco antes de começarem a cair as primeiras chuvas. Os serões, nome porque eram conhecidas as escapeladas ou as debulhas, trabalho de desempenho comunitário, onde as pessoas se entreajudavam com muita lealdade e pureza. Trabalho esse que era sempre desempenhado depois de um árduo dia de trabalho, uns feitos antes e outros depois do jantar, onde não faltavam as cantigas, as mais variadas brincadeiras, se contavam muitas e criativas histórias, alegres anedotas, que nos faziam esquecer o cansaço e a dureza do quotidiano, onde se iniciavam ou terminavam alguns namoricos, entre a juventude que na altura havia muita na minha aldeia. Depois destes serões, às vezes já terminados muito para além da meia-noite, ainda havia tempo para a rapaziada, mais atrevida, ir roubar umas uvas para a ceia, e sabíamos sempre onde começar, as que já estavam mais maduras e o dono já dormia. Um som inesquecível era o chiar dos carros de bois, que ao longe se podia ouvir formando uma melodia que mais parecia uma composição musical. Enfim... coisas do passado, que as gerações vindouras jamais poderão conhecer. Muitas vezes tento demonstrar aos meus filhos como era a nossa vida nesse tempo e sinto uma felicidade incessante em estar a recordar como vivíamos nestas aldeias, como sofríamos mas éramos felizes ao mesmo tempo. A escola, só podíamos usufruir do ensino primário, quarta classe. Antes de entrar na escola às nove horas, ainda fazíamos tarefas caseiras, como carregar um molho de mato ou lenha que os nossos pais faziam e nos punham às costas, com a recomendação não te demores para não chegares atrasado à escola, o café ou a dejua, como era conhecida a primeira refeição do dia, que nem sempre era tomada, umas vezes por falta de tempo para não chegar atrasado as aulas, outras por inexistência de conteúdo. Os rebanhos que enchiam as ruas da aldeia, com o tilintar das campainhas ou dos chocalhos, que saiam ao alvorecer ou chegavam ao cair do crepúsculo... era uma imagem única com os cabritos e os cordeiros a saltitar, alguns acabados de nascer, ainda transportados ao colo do pastor. Neste momento são sonhos para quem viveu esta realidade, porque tudo isso acabou, em grande parte devido à necessidade que as pessoas tiveram de emigrar, procurar noutros locais a esperança de uma vida melhor, em especial na grande Lisboa, onde ainda hoje existe uma grande comunidade Carvalhalense. As tardes de domingo que antecediam as festas da aldeia em honra de São João, o padroeiro da aldeia, onde toda a comunidade aldeã se reunia numa casa do mordomo, para preparar manualmente os artefactos com que iriam ser decoradas as ruas da aldeia para o dia da festa, flores, candeeiros, fitas de papel, os arcos com ramos de castanheiro ou azereiro, etc., trabalho artesanal, uma arte que era passada de geração em geração, mas que infelizmente está a desvanecer. Sinal dos tempos modernos. Hoje é mais fácil adquirir esses ornamentos num armazém de quinquilharia chinesa. Oh... que saudades, por onde andas Carvalhal do Sapo de antigamente! Seguramente, também não era possível viver hoje desta maneira. Não passava de uma escravidão consentida e aceite pelas pessoas com alguma leveza, o meio pobre em que estavam inseridos, a rudeza da vida que tinham de enfrentar, o baptismo do obscurantismo com que éramos premiados durante a nossa infância, só alguns mais aventureiros e arrojados se decidiam pela migração, procurando um salário mensal fixo com que pudesse alimentar a família condignamente. Coisa que nestas aldeias era um bem inexistente. Então, e os serões em casa do sapateiro, o sr. António Maria de Almeida, onde os mais novos jogavam cartas e os mais idosos deixavam-se absorver em amena cavaqueira, com tricas e dicas do dia-a-dia da aldeia! Então, e o cheirinho da broa quando estava a ser cozida no forno aquecido a lenha, o sabor daquela broa de cebola com carne de porco que jazia durante longo tempo na salgadeira, coberta de sal, única maneira de a conservar na altura, com um sabor sem precedentes, bem me lembro! A broa ainda vou conseguindo imitar, agora aquela carne com uma camada de toucinho com três dedos de altura, já com cor de amarelado, que se podia cortar às tirinhas e colocar em cima de uma fatia de broa, mesmo já com oito dias de cozida, e saborear assim mesmo, que petisco, uma iguaria sem igual, que só os nossos ascendentes sabiam preparar... isso é que já não há... oh que saudades! Acácio Moreira (2009) Festas em honra de S. João A maioria das aldeias do concelho de Góis tem as suas festas no mês de Agosto, no Carvalhal do Sapo, a tradicional festa é em honra a S. João e, como tal, é celebrada em Junho, no fim-de-semana que mais perto se situe de dia 24. Esta situação vem da comum desertificação que, infelizmente, cada vez mais acontece nestas zonas, o que antigamente era uma celebração de três dias, é actualmente um dia. Contudo, apesar de ser apenas um dia, é de muita alegria, com muitas tradições e que traz ao encontro os amigos de longa data, que muitas vezes apenas se encontram por esta altura. As festas em honra de S. João são obviamente preparadas ao longo do ano, com a dedicação e carinho que os carvalhalenses têm pela sua aldeia, mas é nos dias anteriores que mais se nota o alvoroço, os enfeites pelas ruas (durante o ano preparados à mão pelas pessoas da aldeia), as luzes, o embelezamento de uma aldeia já bonita, o cheirinho da chanfana que emana dos tradicionais fornos aquecidos a lenha, as filhós, o pão-de-ló, iguarias típicas da aldeia que neste dia é obrigatório em todas as mesas. O dia da festa que começa bem cedo com a música a animar a aldeia inteira, seguida pela missa, ultimamente celebrada no adro da capela, que começou por a ser capela ser pequena e não chegar para todos os participantes, torna agora a missa num acto religioso num ambiente descontraído e que traz ainda mais participantes, para no final ser feita a volta da procissão (em torno da aldeia) com os santos padroeiros da aldeia. É bonito ver todas as pessoas a percorrer as ruas com os seus trajes festivos e de cara alegre ao som da banda filarmónica. A tarde é de convívio e alegria a rever os amigos, a ouvir as velhas histórias da infância e a ver as crianças brincarem alegremente. E nada melhor para terminar que o tradicional bailarico, sempre com boa música e pessoas animadas que vêm de outras aldeias, para todos festejarmos mais um ano de coisas boas e más sempre com a protecção do nosso querido padroeiro. Acácio Moreira (A minha Aldeia – Carvalhal do Sapo, 2009) A sua Comissão de Melhoramentos foi formalmente fundada em 1970, mas em 1935.tinha já sido constituída uma comissão, com a mesma denominação da actual, com curta duração. População residente, de acordo com as estatísticas oficiais: 1911 - 240; 1940 - 205; 1960 - 165; 1970 - 84; 1981 - 73; 1991 - 37; 2001 - 23 |