A música sempre teve uma presença relevante nas actividades colectivas humanas. E na nossa terra, como nas demais, as suas gentes não deixaram de a manifestar, enriquecendo-a com as suas danças e cantares. Nas zonas rurais, isoladas, cuja ligação ao exterior se fazia principalmente através de ondas hertzianas, ela era o caminho para o convívio e para as festas e romarias. À luz do luar ou dos gasómetros, bailava-se e cantava-se pela noite dentro. Surgiam as “orquestras”, tradicionalmente constituídas por três elementos (clarinete-saxofone-acordeon, violino-acordeon-bateria, banjo-flauta-viola, e outros mais), um trio harmónico por vezes desarmonioso, que isso pouco importava. Ou era com o som da gaita-de-beiços, da viola ou do bandolim, acompanhando as cantigas ao desafio. Depois viriam os ranchos, de dança e canto grupal, bem vestidos, organizados e ensaiados, que deleitavam os nossos olhos, com preocupações de nos transmitirem os usos e os costumes dos nossos antepassados. O primeiro que se tem conhecimento, nas nossas terras, data dos anos vinte. Tudo isto é a música folclórica, a de ouvido, de valores afectivos, emocionais, em que o ouvinte se sente participar corporeamente do que ouve. É a chamada música popular, a da sabedoria (lore) do povo (folk).
No eixo Góis-Vila Nova do Ceira, zona chã por excelência, a dos senhores do poder e de vida mais urbana, prevalecia a música aliada à escrita, com práticas instrumentais, a chamada música erudita. Aquela em que o ouvinte assume uma atitude contemplativa, como se só a sua mente e não o corpo estivesse presente ao concerto. Ali se formaram duas escolas, ligadas às duas únicas Bandas Filarmónicas que o concelho teve (uma delas, subdividida ocasionalmente em duas, por razões políticas, como veremos à frente). Num país que não tinha uma educação musical estruturada, as escolas das filarmónicas foram, e ainda hoje o são em larga medida, uma importante rede de ensino da música, que bem merecem ser acarinhadas. Davam-se concertos públicos e faziam-se recitais sociais de piano e violino. Dizia a minha madrinha que no seu tempo, no primeiro terço do século, havia mais de vinte pianos nas casas particulares da vila.
É justo recordar duas personalidades que se destacaram em meados do século, não apenas pelo seu valor artístico mas também pelo que contribuíram para o desenvolvimento da música entre nós. Ambos foram Presidentes da Câmara Municipal, por sinal, dos que tiveram mandatos mais longos. Um deles, Engenheiro Álvaro de Paula Dias Nogueira, Presidente da Câmara Municipal entre 1941 e 1951. Tinha especial aptidão e sensibilidade para a música, compondo e tocando violino e piano. Pena foi que não se tenha feito uma compilação das suas obras. Deu uma grande contribuição à reorganização da Banda Filarmónica da AERG, por vezes seu maestro, na ausência do titular. É de sua autoria a Marcha de Góis (música e letra), que viria a tornar-se o “hino” local. Seu filho e netos herdariam aliás os seus dotes artísticos, confirmados na criação de conjuntos musicais locais e actuações públicas, um deles fazendo carreira profissional. O outro, Dr. Armando da Conceição Simões, Presidente da Câmara Municipal entre 1954 e 1966, apaixonado pela guitarra, de que foi praticante ao longo de toda a sua vida e sobre a qual publicou “A Guitarra, Bosquejo Histórico”. Foi grande animador na constituição de ranchos em Vila Nova do Ceira. Aqui deixamos esta simples homenagem a dois grandes artistas e impulsionadores da música no nosso concelho, um da vila de Góis, outro de Vila Nova do Ceira, sem menos consideração por outros que igualmente enriqueceram o concelho.