São já muito poucos os que, resistindo à ampulheta do tempo, puderam chegar até hoje para. No auge da sua decrepitude consumada, recordam como nós, o que foi e como era a nossa terra nessa década, já longínqua dos anos 20. É inegável que o progresso era então inexistente. As únicas regalias locais de que a Chã beneficiava eram uma escola mista a funcionar numa casa particular) e a distribuição diária do correio. Daqui se pode depreender, portanto, quão grandes eram as dificuldades que a população sentia com a ausência de uma estrada, dum telefone, dos transportes públicos, da água, da luz, do arranjo e pavimentação das ruas, etc. – melhoramentos estes que haviam de chegar um dia, é certo, mas muitos, muitos lustros mais tarde. Apesar destas circunstâncias e da maneira arcaica e elementar como se vivia nessa época, os chãsenses, por que outra vida melhor não conheciam, sentiam-se felizes no seu meio, em contacto com o sortilégio da Natureza e com o labor intenso dos trabalhos agrícolas, de onde lhes vinha os meios da sua subsistência diária. Vida e movimento não lhes faltava, porque além da população adulta e da sua buliçosa juventude, que era numerosa, Chã de Alvares pode considerar-se, nessa altura, uma terra com algum valor comercial e industrial, como outra não havia por estas bandas da Serra. Com efeito, quem se lembrará hoje de que nessa referida década de 20, que há muito para trás ficou, existiam quatro fábricas de resina, três padarias, quatro lojas de fazendas, sete tabernas, (algumas das quais vendiam também mercearia, tabacos, sal, sabão, petróleo, etc.),de uma oficina polivalente de serralharia, ferreiro e ferrador, duas oficinas de calçado, quatro carpinteiros, três lagares hidráulicos, um moinho de vento, vários moinhos de farinar, também hidráulicos e dois moleiros – essas figuras emblemáticas que, enfarinhadas, com os seus respectivos burros carregados de foles ou taleigas, consubstanciavam uma imagem singular e característica, como igual não havia por estas aldeias serranas – e, ainda, diversos negociantes de burel, azeite, vinho, madeiras, resinas, etc. Toda esta actividade comercial e industrial, assim como os serviços de lavoura e transportes, exigiam, inevitavelmente, o concurso de animais de carga, que representavam, então, por caminhos difíceis, as máquinas e veículos motorizados de que hoje dispomos em estradas asfaltadas. Existiam, por isso, na Chã, nessa altura, 17 muares, 6 asininos, 1 cavalo e 6 juntas de bois, o que era bastante significativo ante o modesto atraso que então se verificava. Era assim Chã de Alvares nessa década distante da nossa juventude, em que havia vida e movimento, sobretudo nesta altura primaveril, com as terras zelosamente cultivadas e a coincidirem com a azáfama da resinagem, que tanta mão-de-obra ocupava ainda, como era notório e nós tão bem sabemos, por ser aí, de caldeiro ao ombro, colhendo a resina, de lomba em lomba (íngremes por vezes), que sofremos o primeiro embate com o mundo e a dureza do trabalho que nos proporcionou ganhar a primeira jorna. Passara-se outras décadas e, com a desertificação, verificada a partir dos anos 40, tudo se alterou e a Chã jamais voltou a se o que era, de tal modo que hoje apenas tem uma fábrica em laboração (uma sua congénere encerrou há quatro ou cinco anos), um café, uma taberna, um talho e um estabelecimento misto, fundado precisamente em 1920. Para cúmulo, observa-se ainda uma paisagem melancólica, desairosa, que ressalta das terras incultas que a sua população, em decadência e envelhecimento progressivo, há muito abandonaram. Enfim, outros ventos, outros tempos!...
Aristides Lopes (de O Jornal de Arganil, 30.5.1996)