Junho de 1907. Portugal estava em polvorosa. Crescia o ideal republicano e a oposição republicana ia-se fortalecendo, num país repleto de corrupção, de escândalo e de compadrio. As medidas duras de João Franco, a chefiar um governo ditador, ainda mais incitavam à agitação. Era a greve dos estudantes em Coimbra, fazendo correr sangue, o apedrejamento do Primeiro-Ministro no Porto, no meio de uma recepção hostil e tumultuosa, os comícios exaltados em Santarém, Portalegre, por todo o país. Em Lisboa, ficava para a História a noite trágica do dia 19, com repressões violentas, cargas de cavalaria, pedradas, barricadas, mortes e feridos. Dentro do Parlamento, faziam-se discursos inflamados, injuriava-se o rei, deputados eram expulsos. A figura de D. Carlos, agravada com o escândalo sobre os financiamentos das suas despesas, era posta em causa. E, de um modo geral, a imprensa nacional colaborava com todo este clima de instabilidade. A revolução estava no ar, a três anos de distância.
É no meio deste ambiente que se dá a visita do rei a Góis. O Exército vinha fazendo exercícios nos arredores de Arganil. E com o propósito de assistir aos exercícios finais dos quadros do Estado Maior, D. Carlos veio ali pernoitar na noite de 7 para 8 de Junho. Em Góis, era Presidente da Câmara Francisco Inácio Dias Nogueira, regenerador, de um partido que de certo modo apostava no reforço do poder real e que, no Parlamento, permitia a vida política, dando acordo às reformas. A pesar disso, não estava previsto o Rei receber em Góis quaisquer cumprimentos das autoridades, não tendo mesmo o Governador Civil de Coimbra participado à Câmara Municipal a passagem do rei. As suas deslocações por grande parte do país não seriam naturalmente muito populares, e ele refugiava-se. « A Câmara e o Partido Regenerador entenderam porém que dadas as circunstância de ser a primeira vez que D. Carlos vinha a Góis, se não deviam abster por completo de manifestar e nesse sentido dispuseram as coisas de forma a comparecer em frente da casa da Câmara na passagem do rei para Arganil (...) No sábado, às 6 horas da manhã, já a Praça regorgitava de gente de todas as classes, vendo-se à frente a digna vereação, numerosamente rodeada dos principais proprietários e de todos os funcionários e empregados públicos do concelho. Pouco depois das sete e meia, chegava o rei em automóvel fechado que parou junto da Câmara, cujo presidente levantou os vivas do estilo, lendo em seguida a mensagem (…) que o rei ouviu com toda a atenção, agradecendo efusivamente a manifestação de que esta a ser alvo (...) as duas músicas da terra, a Regeneradora e a Goiense tocaram o Hino da Carta, estrelejando nos ares girândolas de foguetes... »
Na sua mensagem, Inácio Dias Nogueira diria: « …a Câmara da minha presidência cede também a um impulso da própria consciência, que traduz o sentir quase unânime dos seus munícipes, afirmando a Vossa Majestade que maior seria o seu entusiasmo e a sua satisfação se as circunstâncias lhes permitissem integrar a sua vontade na ordem política actual, infelizmente tão profundamente alterada, por forma a que, sem restrições, houvesse de apresentar a Vossa Majestade a homenagem mais profunda do intenso respeito que a Vossa Majestade tributa, assim com a toda a Família Real Portuguesa. » Assinaram pela Câmara Municipal: Francisco Ignácio Dias Nogueira, Francisco Pereira Pinto, Barão de Vila Garcia, Manuel Alves Ribeiro e Joaquim Gomes Ferreira.
No dia seguinte, de regresso a Lisboa, o Rei, agora acompanhado pelo Príncipe Herdeiro, novamente passaria por Góis, « ...ouviam-se vivas à Carta Constitucional, ao parlamento e à liberdade que foram ouvidos distintamente pelo rei, a quem não passou certamente despercebido que o Governo não dispunha no público de Góis de quaisquer simpatias, não significando os vivas a Sua Majestade e à família Real mais do que a expressão de respeito de todo este bom povo pelo princípio monárquico (…) »
O Rei D. Carlos e o Príncipe Herdeiro D. Luís Filipe visitariam Góis poucos meses antes dos seus assassinatos (a família real seria alvejada dentro da carruagem em que seguia, à passagem do Terreiro do Paço, em Lisboa, no dia 1 de Fevereiro de 1908). Seria talvez (não tivemos ocasião de o confirmar) a última deslocação de um rei português à região da Beira.