Inícios dos anos noventa. Já se tinha remodelado a antiga Rua da Ponte, que ligava a centenária Ponte Real à Praça. Fora baptizada de Rua Conselheiro Dias Ferreira, personalidade de prestígio, chefe do governo e por várias vezes ministro da Fazenda, natural da vizinha freguesia de Pombeiro da Beira, concelho de Arganil, que tinha prestado uma boa colaboração ao nosso concelho. A norte da Praça, que passou a denominar-se da República, anunciado com entusiasmo da varanda dos Paços do Concelho, no próprio dia 5 de Outubro, tinha-se aberto uma saída para permitir o traçado de uma nova estrada, direccionada ao concelho de Arganil: saía do Cerrado, atravessava o Pé Salgado, apartando a Lavra dos Linhares, e levava-nos à Seara. Em breve, passaria a ser o local preferido para a cavaqueira e o passeio predilecto de muitas famílias. No tempo em que havia tempo.Tempo para o convívio social, tempo para a delícia do chilreio e do aroma da terra cultivada. Era o Passeio Público. Como nos descreve, na imprensa, quem na sua meninice vivera esses tempos:
« Enriquecido com a chamada fonte do Pé Salgado, muito poucas famílias havia então na vila que, ao anoitecer, não se dispusessem a sair de casa, principalmente na quadra de verão, para fazerem oseu passeio favorito e dessedentarem-se com as tradicionais “limonadas” ou “sodas”, quando não preferiam “matar a sede” com um bom copo cheio da puríssima e fresca água que a fontelhes oferecia em “ares” de bizarra abundância. Era mesmo frequente ver-se entre a assistência algumas famílias de fora, principalmente da vizinha Várzea de Góis, que, aproveitando os seus luxuosos “tonneaux” e “charrettes”, vinham, à tardinha, até Góis, em agradável passeio, ao qual havia a juntar o incomparável regalo de se refrescarem com a afamada água, sempre bebida por entre exclamações de entusiástica admiração pelas suas invulgares qualidades de pureza e frescura. Nesse tempo, o pedaço de estrada que vai de Góis até à fonte, oferecia-nos o delicioso aspecto de fresco e ridente jardim, tal era a exuberância de roseiras e outros arbustos das mais variadas florescências com que a paciência, zelo e bom gosto do cantoneiro José Simões – o pândego – dispôs, tratou e conservou, até à sua invalidez, os dois renques que ladeavam a estrada, como se fora florida a extensa avenida. Explica-se assim a causa por que esse trecho de maravilha passou a constituir o passeio predilecto da “elite” de Góis, em pleno prejuízoda alameda do Cerejal, que, apesar da sua copada arborização, formando compacto tecto de verdura, foi, desde então, votado ao mais cruel abandono, todos aguardando em suas casas o declinar do dia para não se aproveitarem da deliciosa sombra das amoreiras e outras árvores de grande porte que ainda a povoam, mas sem de modo algum faltarem ao tentador prazer diário que lhes proporcionava o “rendez-vous” junto da mágica fonte do Pé Salgado. Em algumas tardes de domingo ou de dias santificados, as duas filarmónicas locais ali exibiram os melhores trechos musicais dos seus reportórios, e, conquanto a vila sofresse já ao tempo as consequências das tenazes lutas partidárias de que foi teatro, a verdade é que a população “algo” retraída e como que medrosa de comparecer, lá acorria quase em massa, apesar da iminência desevera reprimenda por haver concorrido possivelmente para relativo brilho de parada, abrilhantada pela “música”, mantida ou amparada pela política contrária. »
Não tardaria que a nova avenida passasse a bairro residencial. Ao longo da primeira década do século, construíam-se as primeiras vivendas, que marcavam também um novo tipo de arquitectura na vila: primeiro, as das famílias Polaco Cerdeira e Barata Cortez (aquela seria adquirida, uns anos depois, por Manuel Francisco Martins e hoje propriedade dos seus descendentes; a última, já nos nossos dias, por Albino Martins); a seguir, inaugurada com pompa e circunstância em Maio de 1908, a da família Torres Galvão, agora transformada em lar de estudantes. Com o falecimento daquele zeloso cantoneiro, José Simões, desapareciam também os mimosos renques de flores que, ininterruptamente, ladeavam a estrada. Na fresca manhã de 7 de Junho de 1907, a avenida é percorrida, pela primeira vez, por um Chefe de Estado, El-Rei D. Carlos, acompanhado da sua comitiva oficial, momentos depois de, na Praça, ter ouvido os acordes de “A Carta”, então hino nacional, tocado pelas nossas duas garbosas filarmónicas, a Chata e a Cachimbana, e que merecia melogios públicos de Sua Alteza.
Poucos meses decorridos, em 1 de Fevereiro de 2008, o rei seria tragicamente assassinado no Terreiro do Paço, em Lisboa. Viria a República,e no ano seguinte, em 1911, baptizava-se esse nosso pequeno bairro de Teófilo Braga. Mas o antigo nome Pé Salgado, cuja origem toponímicase perde na noite dos tempos, jamais deixaria de permanecer no quotidiano das nossas gentes.
Começa outra época. Em 1912, a instalação eléctrica substitui a poética iluminação pública a gás, ténue e poluente, e inicia-se a construção das instalações do Clube de Góis (que, em 1939, daria origem à Associação Educativa e Recreativa de Góis). A pouco e pouco, o progresso invade o novo bairro e os românticos debandam para o parque do Cerejal. Surgem os primeiros automóveis dos moradores locais e a nova avenida começa a adquirir um ar cosmopolita.
Em 1 de Novembro de 1989 seria descerrada a lápide “Rua Comandante Henrique Bebiano Baeta Neves”, por decisão da Câmara Municipal. Oficial da Armada e engenheiro hidrógrafo, foi uma das mais distintas figuras portuguesas da ocupação científica do então Ultramar Português, nos domínios da geodesia e cartografia, sobretudo em Moçambique, onde passou os últimos vinte anos da sua vida e veio a falecer em 1956. Depois da independência da então província portuguesa, o governo da República de Moçambique quis que a sua personalidade ficasse perpetuada localmente, conservando o seu nome que, no tempo colonial, já tinha sido dado a uma das ruas da cidade Lourenço Marques, hoje Maputo. Tinha nascido em Góis a 19 deOutubro de 1890, quando a nova estrada se projectava. Honra seja feita aos nossos autarcas de então, que baptizaram o antigo Passeio Público com o nome de um dos maiores prestigiados goienses.