S. José foi proclamado “Patrono da Igreja Universal”, em 1870, pelo papa Pio IX, passando, a partir de então, a ser cultuado no dia 19 de Março. É um dos santos mais populares da Igreja Católica, padroeiro de muitas igrejas e lugares do mundo. Em Góis foi cultuado inicialmente na denominada Capela dos Barretos, capela particular inserida lateralmente na Igreja Matriz, facto que se repetiria mais tarde no concelho em outras três capelas: a da aldeia da Malhada, a inserida na Igreja do Colmeal e a da aldeia de Fonte Limpa.
A Capela dos Barretos foi mandada construir por António Rodrigues Barreto, capitão-mor de Góis, e sua mulher Felicitas Duarte de Figueiredo. Ele, filho de Pero Rodrigues Barreto e de sua mulher Joana Luiz, “dos principais de Góis”, que viviam “de sua lavrança e indústria”; ela, filha de António Perdigão da Costa Vilas Boas e de Isabel Duarte de Figueiredo, casados em Góis. Segundo o seu testamento, quiseram que a capela fosse cabeça de morgado e servindo de túmulo familiar, e que os seus sucessores tivessem de apelido, Barreto Perdigão. Desconhece-se a data da sua construção, se terá sido ou não em vida de António Barreto. Sabe-se que ele era vivo em 1625 e que ela faleceu em 4 de Abril de 1646. A pedra tumular no chão da capela tem a data de 1640. O vínculo seguiria por um dos filhos, António Barreto Perdigão (1613-1669), capitão-mor de Góis, casado com Mariana do Rego Vilas Boas, de Viana do Castelo. Outro seu filho, o primogénito, Alexandre Barreto de Figueiredo Perdigão (1598-1653), também capitão-mor de Góis, casaria em Góis com uma sua parente, Filipa da Cunha Figueiredo, por sua vez administradora do Morgado da Capela de S. José de Aveiro. E ambos instituíram outro vínculo, o “Morgado da Lavra”, com as propriedades que formavam o conjunto da Lavra. A casa, por ele mandada construir, “talvez por volta de 1625”, e onde viveram, teria mais tarde capela, em louvor de Santa Isabel, actualmente inexistente. Os dois irmãos, António e Alexandre, ficaram pois detentores de morgados relevantes em Góis, respectivamente, o Morgado dos Barretos (iniciador da família Barreto Perdigão e, mais tarde, de Barreto Chichorro, da Quinta da Capela), e o Morgado dos Figueiredos da Lavra (com ligação ao Morgado da Quinta da Costeira, em Vila Nova do Ceira e ao Morgado de S. Paulo, em Góis). E as respectivas capelas terão sido construídas aproximadamente na mesma altura, embora uma delas, que serviria de panteão familiar, tenha origem de decisão do seu pai. No testamento sobre a constituição da Capela dos Barretos, António Rodrigues Barreto e Felicitas Duarte de Figueiredo deixaram explícito que, no retábulo, fossem colocadas imagens de Santo António e de Santa Felicitas, nomes dos instituidores. Mas não fizeram qualquer referência a S. José, apesar de se tratar de um documento pormenorizado das suas vontades. Porquê então o culto a São José?
O Professor António Rei publica um artigo*, fazendo o ponto da situação de suas pesquisas ainda em curso, e elucida-nos, para além das raízes da devoção a São José pela família Figueiredo, sobre a entrada deste culto em Góis. Segundo ele, e seleccionando apenas breves partes do seu artigo, « (…) Entre alguns ramos de Figueiredos subsistiu uma tradição familiar ligada ao culto de S. José. (…) Tanto quanto conseguimos apurar tal devoção constata-se documentalmente a partir do século XV, embora possa ter começado ainda no século XIV. (…) As referências temporais permitem-nos dizer que a criação da Capela de Aveiro, que trataremos mais adiante, e as primeiras manifestações do mesmo culto em Góis e Arganil não estarão muito afastadas no tempo. Se a Capela de Aveiro parece ter sido criada no princípio do século XVI, aquelas práticas religiosas e sufragâneas em Góis e Arganil, relacionadas com o dia de S. José, terão começado ainda em finais do século XV. Foi o padre Fernando ou Fernão de Figueiredo o iniciador de tais ritos, quando se veio fixar na região, como Pároco de Góis, e trazendo consigo duas irmãs, Inês e Ana, mais novas e ainda solteiras, todas terceiros netos do Bispo de Viseu. (…). As irmãs do padre acabaram por se casarem na zona, tendo-se fixado ambas em Arganil. Os vestígios textuais que se constatam como relativos àqueles cultos permitem-nos supor que seriam idênticos aos que se conhecem mais pormenorizadamente e relativos à Capela de Aveiro. (…) Ficamos sabendo que as mesmas práticas se iniciaram em Góis, estendendo-se também a Arganil, muito possivelmente pelo facto de as irmãs do Padre lá se terem radicado. (…) a casa e o vínculo do Morgado de Aveiro passaram a sua irmã Filipa da Cunha de Figueiredo. Esta Filipa da Cunha de Figueiredo era casada em Góis com Alexandre de Figueiredo Barreto Perdigão, Capitão Mor em Góis, e ainda seu parente afastado, pois ambos eram quartos netos de Rui de Figueiredo (…). Aquele casal foi também o instituidor do Morgado da Lavra de Góis. A partir daquele momento os administradores da Capela de S. José em Aveiro passaram a ser residentes em Góis, facto que, terá ocasionado, muito possivelmente pelo afastamento geográfico, a extinção da ‘Confraria de S. José’ [existente em Aveiro]. (…) Curiosamente, a partir dos meados do século XVII passaram a existir em Góis dois ramos da família Figueiredo Barreto detentores, cada um deles, de um Morgado e de uma Capela de S. José. O de Aveiro que ficou vinculado ao Morgado da Lavra de Góis, e um outro também chamado ‘de S. José’, que pertenceu à família dos Capitães-Mores ou Casa de S. José, tronco original dos Figueiredo Barreto, o qual continuou por um ramo secundogénito, quando o primogénito, Alexandre, criou o Morgado da Lavra, como veremos adiante.»
O culto de S. José terá pois entrado em Góis por ligações matrimoniais entre as famílias Barreto e Figueiredo. Tanto António Rodrigues Barreto, como seu filho primogénito Alexandre de Figueiredo Barreto Perdigão, casaram com membros da família Figueiredo, dando-se o caso de a nora ser, ela própria, administradora do vínculo em Aveiro.
No século seguinte, um descendente, José Barreto Perdigão, construiria uma capela na Quinta de Albergaria, também com invocação de S. José, hoje já inexistente.**
No concelho de Góis, seriam erigidas três outras capelas em honra a S. José, aparentemente sem qual ligação à família Figueiredo: na Igreja Matriz do Colmeal, em Malhada (Colmeal) e em Fonte Limpa (Alvares).
*“O Culto a S. José entre os Figueiredos”, inRaízes & Memórias, nº 22 (2006), Lisboa, APG, pp. 121-128. **Mário Ramos, Arquivo Histórico de Góis, pp. 238-239.