O Carvalhal e o milho Longe vão os tempos em que ao percorrermos a rua da volta da procissão ou a rua da escola, na aldeia de Carvalhal do Sapo era lindo ver aquelas terras que serviam de estendedouro, com mantas de retalhos, estendidas sobre palha de centeio, cobertas de milho estendido que secava ao sol de Setembro para depois guardar nas arcas, que ao longo do ano iria ser usado no fabrico da farinha com que produziam a broa indispensável à alimentação dos habitantes da aldeia. Um quadro lindo mas longínquo, pois hoje já pode parecer uma miragem, ter o prazer de apreciar uma imagem real com milho a secar ao sol nesta aldeia. Contudo foi com algum agrado que há dias numa visita que fiz à minha aldeia, tive a sensação de estar a ter uma miragem, um oásis no meio do deserto, encontrar uma dessas velhas mantas com milho estendido, debulhado e em espiga que secava ao sol. (…) Acácio Moreira ("A minha Aldeia – Carvalhal do Sapo", 2009)
Nas Cortes (…) O milho era semeado no mês de Abril e recolhido em Agosto. Havia mais milho de rega do que de seca. O centeio cultivado em princípio de Dezembro e ceifado nos meses e Junho e Julho. Pelos nossos dados estatísticos, na era de 1900, a povoação de Cortes teria uma produção anual de milho de 7000 alqueires (o alqueire igual a 14 litros no concelho), a produção de centeio cerca de 300 alqueires. O consumo de pão por habitante seria de ¼ de broa por dia. O milho depois de desfolhado, deixava-se secar durante três semanas, sendo depois descamisado nos currais ou locais escolhidos para esse efeito. O centeio era ceifado, amontoado para a secagem e levado para as eiras onde era batido, separado da palha e erguido ao vento para apartar o lixo em cestas e bacias de lata. Todos os lugarejos tinham ”eiras” (pequenos recintos forrados a lousas ou lajes), para os locatários malharem os cereais. No lugar de Cortes abundavam as eiras, sendo muito poucos os vestígios já existentes – eira principal (de onde deriva o nome de Largo da Eira), eira dos Corvos, Selada, Polóme, Chão Pires e eira de Baixo. Voltando ao milho, este era malhado nas eiras, depois descasulado, seguindo os mesmos trâmites do centeio. O mesmo era estendido também nas eiras ou terrenos limítrofes. Limpos e secos, ambos os cereais, processava-se ao seu armazenamento nas casas de habitação. A palha de milho refastelava o estômago dos animais domésticos e servia para encher os colchões e as enxergas das camas. A palha de centeio era utilizada na cobertura dos currais dos animais, currais das fazendas e para atar a palha de milho. Estes cereais desempenhavam um papel vital no regime alimentar das populações locais, na manufactura do pão de milho e pão de mistura de milho e centeio, conhecido por broa. Assim esses cereais eram triturados em moinhos accionados pela energia da água dos rios, localizados na periferia das povoações. O cereal era transformado em farinha. Cortes chegou a ter oito moinhos. O transporte era através de burricos e das próprias pessoas. A farinha, depois de peneirada e amassada, seguia para os fornos aquecidos a lenha, de onde a broa saía já cozida. Em Cortes havia três fornos. Carlos Tomé (de Jornal de Arganil)
Tradições do milho no Soito Como em todas as aldeias da nossa zona, o milho era o cereal predominante, cuja sementeira ocorria entre Março e Maio e a colheita entre Setembro e Outubro, sendo que estas datas estavam relacionadas com a natureza das terras, em que as de sequeiro eram, naturalmente, aquelas em que as sementeiras e as colheitas ocorriam mais cedo ( que produziam o milho temporão), ao passo que os lameiros, eram aquelas em que as sementeiras e colheitas corriam mais tarde (que produziam o milho mais serôdio). Após a colheita, a retirada das “capas” que cobriam as espigas era feita na “escapelada”, que nalgumas zonas do país se designa de “desfolhada”, trabalho este que era efectuado de forma colectiva , à semelhança do que ocorria com a “debulha”. Num dia “escapelava-se” ou “debulhava-se” o milho de um vizinho, noutro dia o do outro e por aí fora. Na ausência de máquinas (só mais tarde alguns agricultores mais abastados possuíam pequenas debulhadoras), a debulha tinha duas partes distintas: na primeira o milho era colocado num monte e “malhado” com paus duros de azinho e outras madeiras da zona, a fim de que por essa forma fossem extraídos a maior parte dos grãos. Este trabalho era sobretudo feito por homens. Após esta fase era necessário passar espiga a espiga a fim de retirar os grãos que não tinham sido extraídos com a “malhada”. O trabalho colectivo custava menos e era mais animado, juntando novos e velhos, havia cantorias, contavam-se anedotas e histórias de namoriscos ou o desvendar de alguns segredos, por vezes inconvenientes. Nas aldeias escondidas na serra, sem luz eléctrica e actividades de divertimento, estes momentos seriam sem dúvida dos mais desejados pelos mais jovens, para alguns encontros tolerados, uns cruzar de pernas ou mesmo uns beijos no escuro quando, por qualquer motivo se apagavam as ténues luzes de azeite ou petróleo, então utilizadas. O aparecimento de espigas de milho de cor rara, entre o azul e o roxo, que na zona designamos de “xi-coração”, mas que noutras zonas é também designado de “milho-rei”, era também uma oportunidade para brincadeiras entre os participantes nas debulhas, muitas das vezes aproveitada para proporcionar a troca de beijos e outras carícias entre rapazes e raparigas. Debulhado o milho, era necessário levantá-lo ao vento a fim de eliminar as impurezas, sendo posteriormente estendido, ao sol, durante vários dias, em mantas de farrapos e “toldos”, a fim de obter uma secagem adequada à conservação e aquisição da dureza própria para o processo de moagem. Após a secagem, o milho era guardado em arcas de madeira até à colheita seguinte, de onde ia sendo retirado à medida das necessidades para o fabrico de farinha ou para a alimentação dos animais. António Duarte ("Soito-Aldeia Preservada", 2010)
No Carvalhal-Miúdo Omilho era parte integrante na agricultura dos nossos antepassados, nestas aldeias. Era preponderante, e um ano com produção de muitos alqueires era fundamental. Do milho, após moagem, "nascia" a farinha, que tinha imensas aplicações, entre as quais o fabrico do pão desta serra... a broa. Todavia até chegar a essa fase, ter-se-iam de passar por muitas outras... Tudo começava com a preparação da terra, lavrando-a e cavando-a, a preceito, fazendo-se a sementeira a seguir (meados de Março). Quando a planta começava a fervilhar, procedia-se à sacha e ao seu arrendado (retirar ervas daninhas e acamar a terra). Depois tínhamos o desfolhar(as folhas colocavam-se ao sol, a secar, e depois de secas eram empalhadas, enleiradas e guardadas, em palheiros para alimento do gado), um tempo depois, a planta era despontada (o tirar da bandeira e da barbela) e mais tarde era retirada a espiga, que era levada para o palheiro, para posteriormente, se proceder ao seu escapelar (descamisar). Nesta fase, as pessoas das aldeias costumavam-se juntar, auxiliando-se umas às outras e em reuniões nocturnas fazia-se esse trabalho, acompanhado de cânticos, contar de estórias e anedotas (lembro-me ainda de algumas escapeladas no palheiro do Cabeço). Aí separava-se a maçaroca (espiga) da palha envolvente e quando se encontrava uma espiga de milho-rei (milho vermelho) era uma festa... abraços e mais abraços. Seguidamente tínhamos o debulhar e/ou o malhar e, depois, de todo o grão estar solto procedia-se à sua secagem em eiras, ou em terrenos calcados, ao sol. De Carvalhal-Miúdo os donos do milho transportavam-no em sacas, às costas, para o moinho no Porto Ribeiro, junto ao Rio Ceira para proceder à moagem. Depois de moído, o milho já em farinha, retornava, pela mesma via, da mesma forma, e era guardada em arcas. A farinha era consumida durante o ano, para os animais (galinhas, misturada com restos de couves, pele das batatas, etc.) e para a alimentação (papas de milho diversas, com sardinha, enchidos...), para fazer a broa. A farinha, neste caso, era peneirada, amassada, fermentada e ficava a tendar... depois fazia-se a broa, ía ao forno a lenha e aí cozia. Em tempos de festas também de confeccionavam as bolas (tipo de broas recheadas com sardinhas, bacalhau, cebola, enchidos, carne...). E a broa que a minha avó fazia era tão boa!... António Martins (Notas de Carvalhal Miúdo e Ladeiras de Góis)
(...) O milho foi durante muitos anos a principal fonte de subsistência e rendimento das populações. Com o milho se faziam a broa, os carolos e as filhós, de todo o ano; alimentava-se as galinhas, adoçava-se a boca à cabras que tivesse parido dois cabritos, adubava-se a vianda dos porcos, fazia-se dinheiro, vendendo alguns alqueires; com as folhas e as bandeiras secas enchiam-se os palheiros de faxas que alimentavam o gado no inverno, com as barbas de milho branco fazia-se chá para as doenças das vias urinárias, com os folhos enxergas, com os canoços e casulos estrume ou borralho, servindo os últimos, também, para desempenhar as funções do papel higiénico. (...) Lisete de Matos (Gente da Serra. Do seu Quotidiano e Costumes, 1990)