O morgadio que Vasco Farinha de Goes estabeleceu em 1290, foi um marco fundamental para a constituição do concelho de Góis. Tinha herdado de seu pai uma pequena fatia do senhorio, mas com os bens que seu irmão lhe deixara, reconstituiu-o em grande parte. Teve contudo que lutar, de armas nas mãos, contra familiares que se julgavam também com direitos às terras de Góis. Assim nos relata o Doutor Fr. Francisco Brandão, monge de Alcobaça, cronista-mor do reino:
« A entrada do ano 1284 achou ainda a el-Rei a cidade de Coimbra (…) não foi de pouco efeito a entrada de El-Rei D. Dinis naquela cidade para apaziguar as grandes contendas que havia sobre o senhorio da vila de Goes, e poderá ser que o obrigasse a ir à mesma cidade a inquietação que havia sobre esta matéria, porque concluída a concórdia se partiu logo el-rei para a vila de Santarém.(…) Dei razão assim desta família, para contar a grande contenda que Vasco Pires Farinha teve com seus sobrinhos e parentes sobre a herança e senhorio da vila de Goes que ele possuía. Sem dúvida que considerando os parentes deste fidalgo, não ter ele filhos legítimos que entrasse na sucessão daquela vila, e vendo que eram mortos já seus dois irmãos João Pires Farinha e Afonso Pires Farinha, Prior do Hospital, para segurar o direito que cada um pretendia, se anteciparam a tomar posse da parte que lhe pertencia, e que esta seria a causa para que Vasco Pires, que tinha filhos naturais e intentaria herdá-los, se impusesse aos intentos dos parentes. Em resolução, Vasques Esteve, Lourenço Esteves e Joana Esteves, ajuntando gente de armas, tentaram de apoderar-se da vila de Goes e suas heranças. Vasco Pires de Farinha ajunta outro bando para defender-se, e contenderam tão cruelmente, que de ambas as partes houve muitos mortos e feridos. Assim continuaram sem reduzir a causa a termos de direito, até que el-Rei D. Dinis, requerido por queixas dos moradores daquela comarca, que toda anda revolta com estes bandos, se foi a Coimbra no fim do ano passado, e apertando com as cabeças deles, reduziu as cousas a termos de composição. Louvaram-se em juízes árbitros, que foram (…), fizeram a composição, ordenando que Vasco Farinha desse a esses pretensores (…). Aos contrários de Vasco Pires Farinha, se mandou que lhe dessem todos os bens e direitos que eles tinham na vila de Goes e no seu termo, para os herdeiros e sucessores daquela vila e que fizessem cantar trezentas missas pelas almas que morreram da parte de Vasco Pires. E que igualmente se perdoassem de parte a parte todos os danos e ofensas. Esta concordata se fez a 6 de Janeiro no Capítulo dos Religiosos de S. Domingos de Coimbra, estando presentes (…) Esta composição confirmou el-Rei D. Dinis na mesma cidade a 12 de Janeiro presente, e depois a confirmou seu filho D. Afonso IV. Nesta forma se apaziguaram aqueles bandos tão prejudiciais e ficou o direito Senhores de Goes aos herdeiros livremente (…) »
Reconquistada a paz e o poder, Vasco Farinha demarca os novos limites do senhorio, fazendo trocas de terras e adquirindo outras. A vila, as várzeas, as aldeias e terrenos anexos passaram a constituir um espaço homogéneo sob a sua plena autoridade. Legitima os filhos, escolhendo um deles para seu sucessor. Por fim, institui um morgadio, vinculando todos os bens móveis e de raiz, suficientemente estruturado para cimentar a autoridade do seu clã familiar e criar condições para, no futuro, não se poderem verificar facturas ou repartições dos seus domínios. Aqui iria ter início, na prática, a formação da unidade concelhia de Góis.