(Cooperativa Social e Agro-Florestal de Vila Nova do Ceira)
Tudo começou há mais de 25 anos...
A origem da Cooperativa deve-se a um boato segundo o qual a Junta de Freguesia iria entregar os baldios a uma empresa de celulose. Logo se juntou um grupo de Varzeenses dinâmicos que, unindo esforços, com muito trabalho e sacrifício, fundaram a Cooperativa. Em Abril de 1968, é lavrada a escritura de constituição no Cartório Notarial de Góis*. Vê os seus estatutos aprovados em Maio de 1969, também em Agosto do mesmo ano é feita a cedência dos baldios à Cooperativa, por despacho do então Secretário de Estado, Vasco Leónidas. Entretanto, faz-se um empréstimo ao Estado, dando-se início à plantação de eucaliptos que, na sua maior parte, tiveram origem em viveiros próprios, criados para o efeito em terrenos alugados. Mais tarde, já no final da plantação, começou a vender-se eucaliptos destes viveiros, que ajudaram a fazer face às despesas correntes. É de salientar que no final de 1979 já se haviam registado 211 cooperantes dos 545 actualmente inscritos. Os eucaliptos tiveram o seu crescimento normal, tendo sido assolados pelo fogo em meados de 1975, sem grandes proporções, mas já com prejuízos preocupantes para aquela época. De novo em 1982, desta vez sim, causando elevados prejuízos. Mas a vontade e a unidade predominante dos que a dirigiam, venceram todos os escolhos e dificuldades que teimavam erguer-se contra tão ambicioso projecto. Em 1978, é criada a secção de Compra e Venda que tem tido um bom crescimento com grande afluência de sócios, podendo afirmar-se ter atingido o seu objectivo no fornecimento a baixo preço dos produtos necessários à agricultura e pecuária. Em 1986 são alterados os estatutos. Em 1991 a assinatura do contracto da venda da madeira da mata à empresa Soporcel é o momento alto da vida da nossa Cooperativa. Mais de 150.000 esteres de madeira são extraídos até 1997. Valeu a pena!... Os sócios fundadores que se lançaram em tão árdua tarefa, que fizeram ouvidos moucos aos incrédulos, que venceram as dúvidas, as dificuldades e a incompreensão, e todos aqueles que acreditaram na sua valentia e engenho, merecem a nossa homenagem. Resta-nos meditar. Como será que a próxima geração irá julgar os de agora? Auzenda Dias Maio de 1994
A presente carta foi escrita pelo nosso conterrâneo João Nogueira Garcia pouco tempo antes de nos deixar. Era seu desejo vê-la publicada, em vida, neste jornal mas as circunstâncias não o permitiram. Conhecedores desta sua vontade, vimos dar a público, sob a forma de carta aberta, o seu testemunho e relato dos primórdios da Cooperativa Silvo-Agro-Pecuária de Vila Nova do Ceira, de que foi impulsionador, fundador e dirigente. (Esta carta é apresentada em duas partes)
Carta Aberta Póstuma ao 1º Presidente da Cooperativa, Eng. António Barata Garcia (1ª parte) (A expressão “Antoninho” usada ao longo desta carta corresponde a um tratamento carinhoso e de apreço pessoal pelo qual o Eng. Barata Garcia era conhecido entre os seus conterrâneos.)
Antoninho, Há momentos na vida em que apetece desabafar com alguém, mas olhando à nossa volta, apenas encontramos pessoas desinteressadas e descomprometidas com o que se passou na cooperativa, como se ela já não fizesse já parte da nossa memória colectiva. É neste contexto que, a título póstumo, lhe escrevo esta carta aberta, meu saudoso amigo, dedicado varzeense e companheiro fundador da Cooperativa Silvo-Agro-Pecuária de Vila Nova do Ceira. Já lá vão 40 anos e faço-o hoje em nome da nossa honra e dignidade e, também, como último sobrevivente desses abnegados membros da primeira Direcção, da qual nós os dois e o Chico Carneiro fizemos parte e, também, o Henrique Figueiredo e o Joaquim Poiares, como membros da Assembleia Geral. Ao evocar o nome destes 5 elementos dos órgãos sociais é para recordar o dia em que, a pedido de Director Regional da Junta de Colonização Interna, Eng. Poço, fomos chamados à Delegação de Coimbra para tomarmos conhecimento do teor do Regulamento Interno elaborado em Lisboa no Gabinete do Secretário de Estado da Agricultura, cujo clausulado vinculava a cedência dos baldios à Cooperativa. Depois de apreciado e esclarecidas algumas dúvidas, o mesmo foi aceite e assinado pelos três membros da Direcção, após o que o Eng. Poço se congratulou, pois qualquer objecção da nossa parte, referente aos aspectos técnicos e sócio-comunitários do documento, inviabilizaria a cedência dos baldios que transitariam de imediato para os Serviços Florestais, com graves prejuízos para toda a Freguesia. Todos nos comprometemos a honrar com o nosso nome o testemunho escrito e também agradecer a confiança pessoal (não política) que nos foi expressa por S. Ex.ª. o Secretário de Estado para levar a cabo um empreendimento cooperativo de Fomento Florestal com perspectivas inéditas em Portugal. Tudo fizemos partindo do zero e nada pedimos em troca. Tudo sacrificamos com espírito de missão incluindo a nossa vida pessoal e profissional, suportando do nosso bolso todas as deslocações, todas as despesas de representação e até adiantámos dinheiros para cobrir falhas de tesouraria dado que as receitas eram escassas e estavam dependentes da entrada de novos sócios e da venda de plantas do viveiro. Missão difícil, mas que foi cumprida etapa a etapa. Assim começámos por: - Organizar abaixo-assinados para impedir a eminente entrega dos baldios, que integravam o logradouro comum da Freguesia, a entidades estranhas aos interesses do povo. - Proceder à delimitação dos baldios em colaboração com os Serviços da Junta de Colonização, tarefa difícil dada a usurpação de grandes parcelas de terrenos por proprietários confinantes. - Formalizar, em colaboração com os Serviços Oficiais, escritura pública da constituição da Sociedade Cooperativa e aprovação dos estatutos e regulamento interno - Arranjar uma sede, a título gratuito, para instalar os Serviços da Cooperativa. - Convidar, porta a porta, os varzeenses a fazerem-se sócios da cooperativa, o que nem sempre foi fácil. - Alugar terrenos para instalar viveiros e fazer a implantação de canteiros e respectiva sementeira de eucaliptos e estruturas em madeira para os proteger do gelo, com esteiras plásticas. Comprar motor de rega e mangueiras. - Queima do mato para proceder à piquetagem das curvas de nível no terreno. - Início das lavragens e posterior plantação de 70 ha de eucaliptos nas encostas da Barroca de Vale de Egas até ao Cimo da Serra. A conclusão desta plantação era vital pois funcionaria como garantia futura ao prometido empréstimo de 1 300 contos a conceder pelo Secretário de Estado da Agricultura. - Compra de uma camioneta (na sucata) para transportar as plantas do viveiro para a mata.
Julho de 1970. O Eng. Vasco Leónidas, com a sua comitiva de Directores Regionais da Agricultura e dos Serviços da Junta de Colonização Interna, anuncia a visita à cooperativa, com a missão de verificar pessoalmente, no local, o andamento dos trabalhos. É recebido com banda de música, muitos foguetes e a presença das autoridades distritais, concelhias e locais e muito povo. As crianças das escolas, também presentes no cume da serra, no local da Selada, aí plantaram, na companhia do ilustre visitante, cada uma, um eucalipto que era suposto ficar a perpetuar a sua visita a um empreendimento, do qual fora o seu maior e mais empenhado promotor. Depois da visita e na hora da despedida anuncia que estavam por nós reunidas as condições para dar início à formalização do seu prometido empréstimo de 1 300 contos, que foi concretizado uns meses depois. Foi, assim, concluída esta primeira fase, em condições difíceis, com o terreno cheio de mato e semeado de pedregulhos roliços que a todo o momento partiam a enorme charrua e dificultavam a implantação das curvas de nível. Mas a recusa do tractorista em continuar as lavragens sem que o terreno estivesse limpo, forçaram a decisão de fazer uma queimada em pleno mês de Agosto.
A QUEIMADA O Antoninho, depois de consultar o seu amigo Eng. Lino da Silva, Director dos Serviços do Perímetro Florestal de Arganil, de quem dependia a autorização, solicita-lhe, também, a colaboração do seu pessoal no apoio à queimada. Segue-se o planeamento da operação que será feita com o lançamento do fogo do lado poente (Várzea Pequena) e o contra-fogo do lado nascente. O próprio Eng. Lino vai estar presente e também virá um camião tanque cheio de água a ser utilizada no caso de necessidade. O contra-fogo será feito pelo pessoal dos Serviços Florestais que estarão colocados na estrada que corre ao longo da Serra até Santa Quitéria. Depois de malogradas tentativas para arranjar pessoas disponíveis para ajudar na queimada do lado poente somos confrontados com a necessidade de recorrer ao pessoal da Cerâmica e da Serração. Depois de ouvir, a título pessoal, o encarregado da Cerâmica (da qual eu era o proprietário) o António do Aires (Ferreira da Costa) imediatamente se disponibilizou a ir ele próprio dirigir a operação da queimada ao longo de todo o aceiro que separava os terrenos baldios dos particulares desde Vale de Egas até à Barroca das Borras, junto ao pinhal da Junta de Freguesia. O gerente da Serração, alegando necessidade de fazer uma entrega de madeira, apenas se prontificou a ficar com o seu pessoal de reserva para qualquer eventualidade. Na véspera, o Antoninho explica ao António do Aires os pormenores da operação e, juntos, vão à serração arranjar uns cabos de verguinha onde são atados bocados de desperdícios que depois de envolvidos em gasóleo vão servir como tochas para pegar fogo ao mato ressequido. Na manhã seguinte, bem cedo, todo o pessoal está colocado no terreno e nos lugares previamente escolhidos para começar a grande queimada que vai ter início do lado poente, junto a Vale de Egas. De tochas e ramos na mão o pessoal da Cerâmica começa a lançar fogo ao mato numa extensão de 3,5 a 4 Km ao longo do aceiro. Lentamente as chamas vão subindo a encosta da serra. Do lado nascente o pessoal dos Serviços Florestais está preparado para lançar o contra fogo aguardando o momento e a distância exacta para o fazerem. Soprava uma pequena brisa que corria de nascente para poente. Lançado o fogo e, agora, o contra fogo, a uma área de aproximadamente 400 hectares, tudo corre como o previsto. Espessos rolos de fumo sobem no ar provocando uma enorme nuvem que por momentos encobre o horizonte. O Antoninho, o Eng. Lino da Silva e eu, lá andamos, ora de carro, ora a pé, percorrendo a estrada no cimo da serra, observando a evolução do incêndio. Entretanto vou à Várzea buscar mais água para beber e vinho para o almoço dos homens dos serviços florestais. Quando regressei já o pessoal da Cerâmica havia terminado a sua missão e regressado à fábrica. Uma hora depois, por volta das 12,30, a queimada é dada por concluída junto a uma ravina perto do pinhal da Junta. Entretanto, por precaução, o camião tanque ficou aí posicionado enquanto o pessoal dos florestais procurou uma sombra para almoçar e descansar. Depois do almoço eu e o Antoninho, por coincidência, chegamos ao mesmo tempo ao local da queimada. Apavorados vimos chamas que irrompiam ali perto da ravina, que podiam alastrar para o pinhal da Junta e do Carapinhal. Chamamos pelo pessoal, mas não obtivemos resposta. Corremos os dois para o camião tanque, enquanto o Antoninho pegava na agulheta e descia pelo barranco, eu, junto à torneira, fiquei a segurar a mangueira para que ela não dobrasse. De vez em quando, já cansado, deixava que ela vincasse e logo ouvia a voz do Antoninho gritar: - Água, água, água… Mais tarde, com o fogo já extinto vejo o Antoninho surgir no cimo da ribanceira de troco nu e encharcado em suor. Deu uns passos na minha direcção e logo se atirou para o chão aflito com o peito arquejando com falta de ar, numa respiração ofegante. Sem dizer palavra, ali fica. Eu, também exausto, com os braços dormentes, atiro a mangueira para o chão e vou sentar-me encostado ao pneu do camião, pensando nos trabalhos em que me havia metido e que o Antoninho estaria a pensar o mesmo. Passados uns bons minutos levanta o corpo e sentado no chão exclama: - Óh Joãozinho, a gente mete-se em cada uma! Era nisso mesmo que eu estava a pensar… O pessoal dos Serviços Florestais não tinha dado conta do reacendimento e, agora, após um rescaldo ao local todos regressámos a casa. Por volta das sete da tarde o Ramiro do Correio espera que eu suba o ramal para me dizer que o Engenheiro telefonara de Coimbra, precisando de falar comigo. Feita a ligação, diz-me o Antoninho que recebera um telefonema do Eng. Lino da Silva pondo-o ao corrente de uma situação desagradável, criada pela queimada. A nuvem de fumo, arrastada pelo vento, havia chegado à Figueira da Foz e encoberto o sol. As autoridades alertadas pelo fenómeno comunicaram para a base militar de S. Jacinto de onde partiu um avião em voo de reconhecimento (o que agora é uma ocorrência banal, naquele tempo foi um acontecimento deveras extraordinário). Detectada a origem, no perímetro florestal de Arganil, é contactado o Eng. Lino que confirma a queimada por si autorizada e feita em colaboração com os seus serviços e sob a sua vigilância pessoal. A tudo isto apenas respondi: - Antoninho, para hoje só nos faltava mais este aborrecimento. Ainda um dia alguns associados nos vão chamar de parvos ou pior ainda! Palavras proféticas, que o tempo veio confirmar, com a ingratidão de uns e a má fé de outros.
João Nogueira Garcia
Carta Aberta Póstuma ao 1º Presidente da Cooperativa, Eng. António Barata Garcia (2ª parte)
A PLANTAÇÃO
Antoninho, Todos as etapas que relatei, anteriormente, tiveram as suas especificidades e complexidades que foram sendo superadas pelo nosso empenho e dedicação. Recordo, agora, a fase da plantação, sem dúvida a tarefa mais delicada, pela enormidade de meios humanos e financeiros que exigiu. Após a queimada havia que dar seguimento à piquetagem e marcação das curvas de nível através da colocação de estacas de cana. Estas, contornando as encostas da serra, vão servir como guias para o tractorista orientar a enorme charrua. A grande aiveca vai desventrando a terra, criando sulcos de 60 ou 70 cm cujo cambalhão, seguido de outro rego contíguo, cria os socalcos, no cimo dos quais será feita a plantação dos eucaliptos. Terminada esta operação, executada segundo o projecto dos Serviços Florestais, outra bem mais difícil se aproxima: a plantação. No enorme viveiro localizado em terrenos da quinta do Inviando dezenas e dezenas de milhar de plantas envasadas em sacos pretos de plástico aguardam a hora do seu transporte para a serra. Os eucaliptos são previamente mergulhados em água que os manterá verdejantes no seu primeiro ciclo de vida. Segundo as regras estabelecidas pelos técnicos dos Serviços Florestais a plantação teria que ser feita à jorna, dada a delicadeza da operação. Foi estabelecido, então, um salário diário de 30 escudos, superior aos 25 escudos pagos, à época, nos trabalhos agrícolas. Logo nos primeiros dias alguns homens iniciaram a plantação que era dirigida pelo António do “Aires” (Ferreira de Costa) que logo ao amanhecer, com a camioneta (comprada na sucata) transportava as caixas de eucaliptos fazendo a sua distribuição pelo pessoal. Controlando de seguida todos os trabalhos de adubação e plantação. Os dias vão correndo e na área lavrada entre a barroca e Vale de Egas, verdejam já os primeiros eucaliptos que irão transformar os Baldios do Logradouro Comum da Freguesia na maior mata florestal comunitária do País. Esta plantação, ao contrário das nossas previsões, tornou-se lenta. O pessoal começou a aperceber-se que os 5$00 que recebiam a mais não compensavam as grandes distâncias que tinham que percorrer depois de um dia de trabalho. Para a cooperativa era uma situação de difícil solução. O formalismo do plantio dos eucaliptos obrigava a covas com exageradas dimensões, no nosso entender desnecessárias numa terra lavrada, em que com uma só cavadela se abria uma cova. No fim de cada dia um homem plantava à volta de 50 eucaliptos. Era evidente que, àquele ritmo jamais se conseguiria florestar tão extensa área. O tractor alugado pelos Serviços Florestais (a preço reduzido e com pagamento a prazo) havia terminado as lavragens dos 70 hectares convencionados para a 1ª fase das plantações, que ficariam como garantia de um empréstimo a conceder pelo Estado. Para continuar as lavragens foi estabelecido um contrato com uma firma do Alentejo, com a condição do pagamento dos trabalhos só ser feito após o desbloqueamento do empréstimo de 1300 contos. Agora temos terra lavrada, plantas aos milhares mas faltava pessoal para as plantar. Proprietários e agricultores da Várzea protestavam contra os preços altos que a cooperativa pagava aos trabalhadores. Por sua vez, os 30 escudos da jorna não compensavam o esforço dos trabalhadores de subir e descer a serra a pé pelo que não era possível aumentar o ritmo de plantação. A plantação e adubação de cada eucalipto ficavam, assim, à cooperativa numa média de 60 centavos. Confrontados com esta situação, eu e o António do Aires procurávamos uma solução e a ideia veio do tempo de Angola, onde ambos tínhamos estado. Na minha fazenda, e em todas as outras, os trabalhos de plantação e capina do café eram à peça: tantos pés de café plantados, tantos pés capinados. Logo que atingissem o número convencionado acabava o dia. No tempo da colheita, quando todo tempo era pouco, o que contava era o número de sacos que cada homem colhia; quanto mais colhesse, mais ganhava. Fizemos contas e chegamos à conclusão que se deveria tentar adoptar na plantação dos eucaliptos os mesmos critérios. Assim a plantação deixava de ser paga à jorna e o trabalhador seria pago em função do número de eucaliptos que plantasse. Pelo método antigo já sabíamos que cada eucalipto plantado ficava à volta de 60 centavos. Ora o António do Aires garantia que mantendo os 60 centavos e se limitássemos o tempo passado à volta de cada planta com preciosismos desnecessários, cada homem poderia plantar o dobro dos eucaliptos. Escrevi ao Chico Carneiro dando conta do plano que havíamos elaborado. Dada a ausência do Antoninho, que estava na Alemanha, a questão teria que ser resolvida entre nós os dois e o César Martins que era vogal da direcção. Nós não tínhamos alternativa e forçámos o Eng. Salgado dos Serviços Florestais a autorizar esta modalidade, que aceitou a contra gosto e a título experimental. Nos dois primeiros dias apareceram poucos trabalhadores, embora o António lhes garantisse que nesta modalidade em vez de 30$00 diários, poderiam ganhar o dobro ou mais. Foi um êxito que correu rápido de boca em boca. Trabalhadores da Freguesia da Várzea, Pombeiro, Chãs e Póvoa, alguns até com as mulheres, todos os dias subiam e desciam a serra para plantarem eucaliptos. No fim do dia cada homem tinha plantado entre 100 e 120 plantas que multiplicadas pelos 60 centavos davam um salário diários de 60 a 72 escudos. Para os proprietários agrícolas, que precisavam de pessoal, era um escândalo que eles não podiam acompanhar. O meu problema era, agora (visto ser o tesoureiro), arranjar dinheiro para, no fim de cada semana, pagar tantos salários. Entretanto os eucaliptos plantados nos terrenos queimados, beneficiando das cinzas acumuladas no solo e da adubação, cresciam a olhos vistos e raramente havia plantas secas para replantar. O empréstimo já concedido pelo Secretário de Estado tarda em se concretizar dados os formalismos legais. Em determinada altura, o dono do tractor ao serviço da cooperativa vem, aflito, pedir um adiantamento de 50 contos para satisfazer compromissos inadiáveis. O Antoninho, como Presidente da Direcção, vira-se para mim e pergunta: - Joãozinho, como estamos de finanças? Respondi: -Estamos a zero! O Antoninho promete pagar, mas pede ao homem do Alentejo uma espera de oito dias, findos os quais o homem voltou. Mas as receitas provenientes da entrada de novos sócios e da venda de plantas do viveiro são absorvidas pelos salários dos homens que trabalham na plantação e nos viveiros. - E agora, Joãozinho? -Antoninho, até hoje consegui manter os salários em dia, muitas vezes recorrendo a adiantamentos do meu próprio bolso, mas agora não tenho disponibilidades pessoais para adiantar uma importância tão elevada. - Mas eu prometi! E pegando no seu livro de cheques entrega ao Alentejano um cheque de 50 contos por conta da Cooperativa. Naquele tempo o dinheiro era um bem, bem escasso. Basta dizer que ao tempo (1969) 50 contos davam para pagar 1667 salários de 30 escudos. Nos tempos actuais para pagar o mesmo número de salários seriam precisos mais de 10 000 contos. Entretanto o empréstimo de 1300 contos foi desbloqueado e finalmente a Cooperativa passa a ter conta à ordem no Banco Totta & Açores e pode pagar os débitos das lavragens e do empréstimo do Antoninho. Em 31 de Dezembro de 1971, com ¾ dos baldios lavrados e plantados, abandono a direcção da Cooperativa, em conflito com o seu secretário, e entrego ao suplente da Direcção, que aceitou substituir-me, as importâncias de 672 889$00, depositada no banco, e 13 876$50, em caixa.
Não queria terminar esta carta aberta cometendo a ingratidão, ou pior ainda, a infâmia de não enaltecer os nomes do Eng. Vasco Leónidas, Secretário de Estado da Agricultura e Presidente da Junta de Colonização Interna e do Eng. Poço, Director da Junta de Colonização Interna da Região Centro. A estes dois homens devemos a formalização e a paternidade da Cooperativa. Ao Eng. Ramos de Moura, Director dos Serviços Florestais da Região Centro e ao Eng., Duarte devemos a orientação técnica na execução do projecto de florestação dos baldios. Devo, igualmente, destacar o nosso conterrâneo António Ferreira da Costa, que com espírito de sacrifício e sentido de responsabilidade aceitou, a meu pedido pessoal, desempenhar a ingrata missão de dirigir no terreno todos os trabalhos inerentes à plantação dos eucaliptos. Eu, que acompanhei de perto, no dia a dia, o esforço deste Homem posso testemunhar a colaboração que dedicou a uma obra que assumiu como sua. Também devo recordar o senhor José, homem de muito saber e experiência, que veio expressamente do Alentejo para construir os enormes viveiros de eucaliptos de onde saíram milhares e milhares de plantas para a florestação dos baldios, e o António Martins, da Monteira, que, como ajudante do Eng. Duarte na implantação das curvas de nível, calcorreou serras e valeiros, com molhos de canas às costas, na marcação dos terrenos, tarefa que antecedia as lavragens.
Antoninho, Foi com honestidade, trabalho, competência e sentido de responsabilidade que nós, os fundadores da Cooperativa, indiferentes às diferenças sociais e económicas e às críticas que caracterizavam a vida rural, plantámos, em benefício de todos, por montes e vales (alguns com o suor do rosto), as árvores que deram “frutos” que outros vêm colhendo. Fui, agora, informado do falecimento do Eng. Vasco Leónidas. Lenta, mas inexoravelmente, a nossa geração vai partindo. Mas podemos afirmar, sem dúvida, que nos orgulhamos do que fizemos e do legado que deixamos às novas gerações de Varzeenses. Que o saibam administrar, reproduzir e repartir sem destruir o espírito social do ideário cooperativo que norteou os fundadores. Até sempre.
Do João *Cedida pelo seu filho, João Garcia
* * * A Cooperativa Silvo-Agro-Pecuária de Vila Nova do Ceira, CRL, que tem a sua sede e estabelecimento no Largo da Igreja, em Vila Nova do Ceira, concelho de Góis, é uma instituição com história. É hoje uma grande empresa, que não parou de crescer nestes 40 anos de existência. Aí por volta de 18 de Abril de 1968, apareceram na nossa terra algumas personalidades enviadas por grandes empresas interessadas em comprar terrenos particulares, baldios e outros, com o objectivo de plantarem eucaliptos, de preferência grandes áreas. Nessa altura, um grupo de Varzeenses mais esclarecido começou a pensar "mas se isto é bom para eles, também será bom para nós ... " e começou a sonhar alto, chegando à conclusão que para meia dúzia de pessoas seria difícil, mas poderia haver outra solução. Entre este grupo de amigos havia um, Quim Poiares, que se lembrou que, quando frequentava a Universidade de Coimbra, teve um colega de quarto, o Engº Vasco Leónidas, que agora era Secretário de Estado do Ministério da Agricultura, e podiam lá ir falar com ele. E resolvem, sem mais delongas, avançar com esta ideia, tendo sido muito bem recebidos pelo amigo Leónidas, que os aconselhou, como técnico competente que era, e lhes disse que a melhor e mais segura maneira de conseguir este desiderato era constituir uma Cooperativa, onde se poderia associar toda a população que quisesse. E foi o que aconteceu. Esta Cooperativa foi constituída e os seus estatutos aprovados por Alvará de 22 de Maio de 1969, da Secretaria de Estado da Agricultura, que alterou a sua denominação para o nome actual, com a sua sede e estabelecimento no local onde ainda se encontra. Aqui começa a sua caminhada rumo ao futuro, por percursos difíceis e acidentados. Tínhamos aqui, na nossa terra largos espaços de baldios, onde as populações se abasteciam de lenhas e matos, bem como apascentavam os seus rebanhos, principalmente aqueles que não tinham propriedades e outros que se aproveitavam das circunstâncias. Numa dada época saiu uma lei, que permitia às pessoas a plantação de oliveiras entre - sachadas, do que mais tarde resultou eles registarem em seu nome as oliveiras autorizadas e o terreno circundante, tendo surgido grandes proprietários que antes nada ali tinham. Agora podíamos colocar os terrenos a produzir valor para o bem comum. Surgiu pois a plantação de eucaliptos, que tão bons proventos têm dado ao longo destes anos, tendo-se conseguido implantar a melhor e a mais rica empresa da nossa terra. Esta Cooperativa é multi-facetada e possui em funcionamento diversas secções: Secção Florestal que gere cerca de 500 h e está em fase de expansão através de reflorestação e compra de novos terrenos, Secção de Compra e Venda e a Secção Agrícola, que possui um bom parque de máquinas e agora também um moderno lagar de azeite, que este ano já produziu 50 mil litros de azeite de qualidade. Além disso, a Cooperativa explora ainda um posto de abastecimento de combustíveis e uma farmácia de produtos químicos para a agricultura.
António Fernandes (Jornal de Arganil, 2009)
Nota Recentemente passou a denominar-se "Cooperativa Social e Agro-Florestal de Vila Nova do Ceira" (Abril 2010)