Alvares - Monumento ao resineiro Quando da abertura do Museu «Casa do Ferreiro», já há uns anos, pelos utensílios utilizados pelo resineiro ali expostos em memória ao resineiro e a esta profissão, ficou o desejo de um dia virmos a homenagear a profissão mais carismática de todos os tempos na região. Empregos, ninguém sabia o que isso era. A única ocupação que a maioria dos homens tinha, além da agricultura, era a resinagem dos pinheiros e a maioria que se dedicava a essa actividade saíam de casa ainda de noite, levando consigo o ferro ou a lata e a espátula, que eram os instrumentos de trabalho para renovar as sangrias e para colher a resina, o saco da merenda preso à cintura também não podia esquecer. Os pinheiros com porte suficiente para poderem ser sangrados, eram então visitados pelos resineiros que, apesar das condições do terreno serem geralmente difíceis, nomeadamente devido ao acentuado declive das encostas, levavam a cabo a sua árdua tarefa em ritmo acelerado, colhendo a resina para a lata e uma vez esta cheia iam despejá-la numa barrica que nem sempre estava perto, dado que tinha que ser colocada num local onde pudesse ser carregada, noutros tempos em carros de bois e mais recente já em camionetas. Toda a gente sabia onde andavam os resineiros; eles executavam o seu trabalho, cantando e assobiando. Quando a fome apertava, dava lugar a uma pausa para comer e merenda, normalmente era a broa e a sardinha, a bebida era procurada numa horta mais próxima onde houvesse água e depois deste trabalho duro e difícil o resineiro ainda ia ter com a esposa que andava na horta a tratar da agricultura, por vezes com os filhos ainda pequenos, ajudando para que a sobrevivência da família fosse garantida. Esta foi, sem dúvida, a profissão de gerações e de sobrevivência das famílias, da nossa gente, na freguesia e em toda a região. Na freguesia de Alvares ainda nos anos cinquenta e sessenta havia cerca de duzentos resineiros. Por tudo isto e muito mais, não podíamos esquecer as nossas raízes, esta profissão e as famílias. Alvares vai agora mesmo levantar um monumento e ser pioneira na grande Região do Pinhal a não deixar esquecer o grande homem que foi o resineiro.
(inA Comarca de Arganil, de 8.04.2008)
A resinagem em Chá de Alvares A Chã foi outrora uma zona de abundante e frondoso punhal, que esmalta uma linda e salutar imagem na Natureza e na ecologia, pela sombra e pela cor verde-escura da sua ramagem ondulando ao vento, e do revestimento denso que dava ao solo. Da sua existência resultava ainda, para além disso, considerável riqueza económica para os seus proprietários, dado a lenha, a madeira e a resina que produziam. Era uma floresta imensa, que povoava toda a área circundante desta localidade, numa extensão dilatada que ia desde a Serra até ao rio Unhais, abrangendo os domínios declivosos dos ribeiros do Caniçal, Carrasqueira e da Lomba Torta. De salientar, ainda e sobretudo, a extracção da resina, em cuja actividade se ocupava muita mão-de-obra nessa época distante dos anos 20, quando a escassez de trabalho imperava aflitivamente por todo o lado e os menos afoitos encontravam nela (e aqui) o seu ganha-pão, enquanto outros, mais aventureiros, o procuravam em Lisboa, Espanha, Borda d'Água, etc. A campanha da resinagem começava na Primavera, mas era o calor que fazia verter a gema com maior intensidade e obrigava a uma azáfama mais activa e constante. O trabalho era custoso e muito sujo, descendo-se e subindo-se encostas empinadas para a renova e colha da resina, que se tinha de carregar ao ombro até aos barris, colocados no dorso das lombas onde o carro de bois os pudessem carregar. Contudo, a vida era linda, sadia e tinha o seu encanto ante a beleza dos contornos físicos e orológicos do solo, do sol resplandecente e da verdura das hortas que tão graciosas se apresentavam nos vales profundos onde a água permitia a sua plantação e pessoas havia para deles tratar e cuidar com esmero. Essas pessoas das hortas e os resineiros que se cruzavam, davam àquelas paragens vida e alegria que o aroma do alecrim e a presença das aves suavemente ambientavam com a sonoridade maviosa dos seus gorjeios. (Quem sem lembra ainda do gaio, do melro, do rouxinol, da cotovia?...). Depois tudo acabou, tudo se perdeu e as vertentes sem fim, desnudadas pelo fogo que as tem carbonizado, as margens ribeirinhas e socalcos adjacentes cobertos de mato e silvas, currais e casas de arrecadação esborralhadas, tudo isso apresenta agora um aspecto desolador impressionante. Foi um descalabro diabólico que tocou a nossa terra, de tal modo implacável e funesto, que tudo desapareceu com ele: desapareceu a rica e exuberante floresta pinheiral, desapareceram os resineiros e desapareceu a própria população chãsense que abandonou a aldeia a caminho doutras latitudes. Consequentemente a resina deixou de se produzir por estas bandas e das quatro fábricas que então destilavam, sazonalmente, resta apenas uma a laborar, mas com matéria-prima que tem de ir buscar muito longe..., que não daqui. Pinheiros!... Resina!... Quantas recordações ainda guardamos hoje, passados tantos anos, dessa faina e da experiência que nela vivemos, por ter sido aí, nesse trabalho árduo e enresinado que a nossa juventude encontrou o primeiro emprego e ganhou o primeiro salário... Já lá vão setenta anos!
Aristides Lopes (inO Varzeense, de Junho de 1996)
Desencarrascadeira Ferramenta de resineiro. Antes do recurso, ao ácido sulfúrico, que data dos anos cinquenta, servia para tirar a côdea ou casca do pinheiro, marcando toda a área a resinar ou sangrar em determinado ano. O número de áreas a resinar por pinheiro dependia do seu diâmetro. Normalmente, cada área levava três ou quatro bicas, que se ia sucedendo em sentido ascendente. Nos anos quarenta, cada sangria rendia 11 tostões e, mais tarde, 14 ou 15. Apesar disso, para quem tinha pinhal, a resina constituía uma fonte de rendimento importante. A resina era explorada por pessoas da região, mas muitos resineiros vinham de outras, contribuindo para a animação das aldeias onde pernoitavam e namoriscavam, alguns para casar e ficar. Nos anos cinquenta e sessenta, também os rapazitos que aguardavam ordem de partida para a cidade faziam esse trabalho, afinal apenas tão duro quanto outros. Terá deixado de se resinar em 1974 ou 1975, na sequência de um grande incêndio. Concomitantemente, apesar do choque petrolífero de 1973/1974, o petróleo tinha vindo para ficar. Enquanto durar!
Lisete de Matos (de Os Objectos para as Pessoas, Açor, Colmeal, Junho de 2007, p. 55)