No Largo do Pombal considerado em Góis a sua sala de visitas foi demolido o prédio abandonado das Ferreirinhas vulgarmente ditas.
Sem requerer nem aguardar despacho da suprema entidade competente pela autarquia foi deitado abaixo na mira de um arranjo pertinente.
A verdade porém é que ainda agora por mais que se lamente esta demora tudo no mesmo estado permanece.
O caso é que, tirando o Paço Velho, se trata do solar que se conhece mais singular da sede do concelho!
João de Castro Nunes
*
Uma crónica, por nós publicada no Varzeense de Fevereiro de 1999, dá-se uma imagem da Casa das Ferreirinhas, no Largo do Pombal (com texto corrigido):
As manas Ferreirinhas As terras pequenas têm os seus pequenos símbolos que certas terras de outras gentes dificilmente entendem. Podem não ter um valor intrínseco relevante, podem não constituir “factos históricos”, mas num pequeno universo mexem com o imaginário dos seus autóctones. Eles são um pequeno imóvel, um rancho folclórico ou uma companhia teatral, uma árvore ou uma simples denominação, pontos de referência de um passado não distante. E, quando desaparecem, toda a comunidade fica mais pobre e entristecida. A vila de Góis, pequena como é, não foge á regra, podendo-se apresentar uma mão cheia de exemplos. Que seria a vila sem a sua banda? Quem teria a coragem de destruir o edifício da Associação, quando não se aguentar mais em pé ou não se adaptar às novas funções exigíveis, um imóvel do maior valor afectivo e arquitectónico, apesar de construção recente e sem qualquer estilo? A Casa das Ferreirinhas é um outro, entre outros. A sua História não tem história que se conte. Edifício provavelmente da primeira metade do século XVII, tem uma fachada característica, com escada exterior de alpendre e grades de ferro forjado. Tendo pertencido à família Tavares Pontes que se constitui no início do século passado, veio a ser herdado por D. Maria do Céu Carneiro Ferreira, que casou com o senhor Joaquim Ferreira. E alguns se recordarão desta senhora e sobretudo das suas filhas que do pai lhes veio o nome social: as meninas Ferreirinhas, Bertilde, a mais nova, e Mariazinha (Maria Isabel). Esta foi para Lisboa e a Bertilde por lá ficou e morreu, sepultada no cemitério da vila. Quando a casa é demolida, já lá vai uma eternidade!, foi como se em Lisboa caísse o Carmo e a Trindade. Passa a ser o assunto das conversações, das privadas e da praça pública – que não mais seria reconstruída, dizem uns, que era uma solução precipitada, outros sentenciam. Daquela nudez indecorosa do Pombal não havia necessidade, murmura-se maliciosamente… Tem sido um dó de alma, um espinho em muitos atravessado. Mas a boa nova aí está, a casa vai mesmo ser reconstruída e a sua traça mantida. E sendo destinada a Biblioteca e a Auditório veremos finalmente concretizado um projecto, se bem me lembro, já com doze ou treze anos. Mais vale tarde do que nunca e tudo está bem quando acaba em bem. Mas o aspecto mais curioso e que dá vida e sabor à História, é que a denominação do imóvel vai ficar na nossa memória colectiva, no património da vila, até na escrita oficial da Administração Pública. A D. Bertilde e a D. Mariazinha, na sua simplicidade e simpatia, que por aqui passaram sem nada de relevante, que eu saiba, tenham feito na sociedade local, tanto para o mal como para o bem, jamais terão sonhado que o seu nome iria ficar perpetuado na vida local. A Casa das Ferreirinhas é bem um registo poético do nosso passado recente.
Posteriormente, a Câmara Municipal deixaria cair o projecto, embora durante muito tempo o tenha publicitado, bem visível na via pública, para todos entenderem bem que seria uma realidade e não uma simples promessa. E na versão moderna do Largo de Pombal, que acaba de ser concluída, não se achou relevante proceder sequer à sua lembrança. Das pedras do edifício, que, segundo se disse, tinham sido cuidadosamente guardadas após a demolição, nada sabemos. Mas, para que tudo não se perca, deixamos aqui algumas fotos.
Nota - Ali foi instalado, o Centro Republicano de Goes, inaugurado em 1 de Dezembro de 1910, denominação que seria alterada, no ano seguinte, para “Centro de Instrução e Recreio”, e que foi palco de reuniões e conferências políticas. Era então proprietária da casa D. Maria Júlia Ferraz Tavares de Pontes, casada com o médico Dr. Guilherme Neves dos Santos Carneiro, cujas sobrinhas-netas foram origem do nome “Casa das Ferreirinhas”.