Em Cortes (…) As pessoas compravam os leitões nas feiras das vilas concelhias ou os criadores de porcos deslocavam-se às povoações das freguesias para venderem os leitões. A populaça da freguesia de Alvares, por exemplo, deslocava-se a Pedrógão Grande e, por vezes, era um criador de Escalos que vendia os leitões pelas aldeias. As famílias tinham um ou dois porcos por habitação. Quando um suíno morria de doença, logo compravam outro mais grandote para quando chegasse o mês da matança - Dezembro - estivesse já corpulento e desse para a família da casa. Os suínos eram engordados com leveduras (restos de comida e doses de farinha misturada com água) e lande, ou seja, a bolota dos sobreiros. No fim de três a quatro meses de estarem na pocilga, os porcos eram capados por pessoas da povoação ou de fora, para não se reproduzirem. Depois, levavam um arganel (argola de arme) na parte superior da focinheira, para não focinharem na estrumeira da pocilga e não esburacarem as suas paredes. Um mês antes da matança, os donos levavam molhos de carqueja bastante crescida para casa, secando-os ao sol, que serviam para chamuscar a pele do porco, depois de morto. O porco era morto. E era também chamuscado. A pele seria raspada com facas e água fria. Seguidamente, levado para dentro da habitação onde era pendurado de cabeça para baixo no chambaril, feito de pernadas de oliveira. Com instrumento apropriado, seria aberto de alto a baixo, para extrair as miudezas (fígado, coração, tripas e banhas). Do pernil do porco é de onde sai o famigerado presunto, depois de salgado e curado ao fumeiro. As operações de abate e corte eram efectuadas por homens habituados a esse tipo de trabalho. No domingo, a seguir à matança, era confeccionada uma refeição, denominada de cachola ou cacholada, constituída por carne fresca, sobretudo pelas miudezas do porco e também pelo sangue deste, que seria fervido numa caldeira com 15 a 20 litros de água, suspensa sobre a fogueira. O sangue era tirado da caldeira em pequenas porções para caçoulas, onde tornava a ser aquecido, e, então, comido pela família da casa e familiares mais próximos. Finalmente, faziam-se os enchidos das tripas e da bexiga do suíno após a sua lavagem nos ribeiros, como, por exemplo, chouriços, paios e farinheiras. Por cima das fogueiras arranjavam-se os fumeiros com caniços, onde os enchidos e os presuntos eram pendurados para exposição ao fumo e ficarem secos.
Carlos Tomé (de Jornal de Arganil)
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Em Vila Nova do Ceira A matança do porco era um ritual que se repetia todos os anos. Na época do frio, logo pela manhã, o porco era trazido por três pessoas para cima de uma grande tábua ou de um carro de bois. Um segurava as patas da frente, outro as detrás e o matador, depois de se benzer e beber um copo de aguardente, pedia aos presentes para não terem pena do animal, porque senão este demorava mais tempo, e espetava a faca no pescoço do bicho. O sangue era aparado com um alguidar de barro, onde pouco tempo depois ficava sólido para ser cozido e comido pelo grupo. O porco era aberto e pendurado. As tripas eram entregues às mulheres que as iam lavar ao rio com sal e limão, para mais tarde fazerem as chouriças. Parte do porco era retalhado e distribuído pelos vizinhos, o resto ia para a salgadeira. A oferta da carne aos vizinhos, para além de ser um acto social, comprometia estes a fazerem o mesmo, quando matassem o porco deles. A oferta era sempre da mesma maneira: num prato de louça, tapado com uma folha de couve.
(de Salpicos da minha Aldeia, José Rodrigues, 2005, Vila Nova do Ceira)