Janeiras cobertas por um manto branco Chegámos a Chã de Alvares perto da hora de jantar. O frio lá fora era intenso e as nuvens escondiam as estrelas. Dentro de casa o ambiente estava agradável, fruto do calor que a salamandra libertava. Estava o jantar no final, quando ouvimos o António Miguel junto à porta gritar: - Oh pessoal está a nevar! Venham ver, está a nevar! Abrimos-lhe a porta com a finalidade de o cumprimentar e convidá-lo a entrar a fim de beber um copo, não acreditando muito no que dizia. Mas surpresa das surpresas, estava efectivamente a nevar. Do céu caíam pedaços de neve, flocos brancos e muito grandes que nos deixaram fascinados, excitados e extasiados. Toda a família num ápice veio para a rua sentir aquela precipitação branca e cândida que lentamente caía no chão, cobrindo-o de branco em poucos minutos. Para muitos de nós era a primeira vez que assistíamos à queda de neve, para os outros - os mais velhos - era o recordar de tempos muito distantes. Na manhã seguinte o espectáculo foi ainda melhor. O dia acordou radioso, cheio de sol, e Chã de Alvares completamente atapetada de branco. Foi altura de se tirar algumas fotos, brincar com a neve e apreciar a beleza de todo aquele esplendor. De tarde o Marcelo, o Chico, o Carlos e mais alguns amigos, com as respectivas concertinas, começaram a percorrer todos os lugares da povoação cantando as "Janeiras". E cantavam assim:
Acabadas são as festas À porta temos os reis Venha lá dessa casa Alguma coisa que nos deis.
Menina que está sentada Nesse banco de cortiça Sai lá dessa cozinha E venha dar uma chouriça
Ou da gorda ou da magra Ou daquela que unta a barba Ou da carne do fumeiro Ou do pão do tabuleiro.
Depois destas quadras, os residentes da casa visitada depositaram no saco a sua contribuição – hoje em dia euros, noutros tempos alimentos – ao que os tocadores e cantadores retribuíram com a quadra de agradecimento:
Estas casas não são casas Estas casas são casinhas Tantos anos vivam os donos Como ela tem de pedrinhas.
No final da ronda mais de uma centena de pessoas juntaram-se na sede da Liga de Melhoramentos para saborearam um esplêndido cozido à portuguesa, onde nada faltava, nem a comida de óptima qualidade e abundância, nem a boa disposição. A terminar, realizou-se um baile à moda antiga, novamente abrilhantado pelos acordeonistas presentes e que muitos aproveitaram para darem uns passos de dança, recordando assim os bailaricos antigos e os velhos tempos de juventude. Estão de parabéns todos os que contribuíram para a realização de mais estas "Janeiras", nomeadamente a Alice que coordenou a cozinha e que no final nos surpreendeu com a recitação de um belo poema da sua autoria. Parabéns mais uma vez. Para o ano lá estaremos de Deus quiser.
José Manuel Simões Anjos (deO Varzeense, de 15.01.2009)
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Janeiras em Cortecega Janeiras são uma tradição muito antiga que vai passando de geração em geração. Na minha aldeia essa tradição manteve-se até há alguns anos atrás, mas em muitas aldeias de Portugal esta tradição está viva, felizmente! Bem, vou contar como era no tempo em que vivia na aldeia onde nasci (Cortecega). Existia um grupo folclórico do qual eu fazia parte e por altura dos Reis lá ia-mos nós pedir as Janeiras. Na noite de Reis, formavam-se dois grupos de pessoas. Um grupo percorria as ruas da aldeia e o outro ia à povoação mais perto (neste caso a Cabreira) indo de casa em casa, cantando e tocando alguns instrumentos, como pandeireta, ferrinhos, tambor, concertina, desejando, assim, um bom ano aos seus vizinhos cantando quadras como estas.
Boas noites, meus senhores Boas noites vimos dar Vimos pedir as Janeiras Se no-las quiserem dar * Aqui vimos, aqui vimos Aqui vimos bem sabeis Vimos dar as boas festas E também cantar os Reis
Mas como a porta tarda em abrir-se…
Levante-se daí Senhora Do seu banco de cortiça Venha-nos dar as janeiras Ou de carne ou de chouriça * Viva lá o Senhor António Raminho de bem-querer Traga lá a chave da adega Venha-nos dar de beber
De uma maneira geral as gentes da casa acediam, e então tinham direito a agradecimento:
As janeiras que nos deram Deus será o pagador Queira Deus que para o ano Nos faça o mesmo favor
Mas também podia acontecer “não haver nada para ninguém”. Então…
Cantemos e recontemos Tornemos a recontar Esta barba de farelos Não tem nada para nos dar
Terminada a canção numa casa, esperava-se que os donos nos dessem as janeiras (castanhas, nozes, maçãs, batatas, carne de porco chouriço, morcela, porque tinha sido altura das “matanças”, etc.). Dinheiro não se dava, mas caso alguém o fizesse era para ajudar a comprar o que faltava para o almoço de dia de Reis. No dia de Reis o povo juntava-se no largo da aldeia. Preparava-se a lenha que tinha estado a arder no largo desde a noite de Natal, onde eram colocadas as panelas de ferros onde se cozia a batatas, a carne, as chouriças, dadas na noite anterior. Preparava-se as couves que ainda de noite tínhamos sido (desviadas da horta do vizinho) e em festa todos, bebiam e cantavam. No caso de alguém da terra não ter dado nada aquando do peditório, nós íamos ao galinheiro e (desviava-mos uma galinha), quem pagava as favas era a raposa, pois tinha sido ela que tinha ido a capoeira. A pessoa era convidada para a festa e só tempos mais tarde lhe era dito quem foi à capoeira (era uma risada). Era uma confraternização que unia as pessoas e que hoje recordo com saudades. Muitas vezes são tema de conversa quando nos encontramos e revivemos o passado, principalmente no verão, altura de férias.
Eugénia Santa Cruz (do blog "Cortecega-Notícias da Minha terra")