Queijo de cabra e o seu estreleque (soro) Mais uma pequena historia que me lembro dos meus tempos de criança. Naquela época havia grandes rebanhos de gado nesta aldeia. Todas as pessoas tinham as suas ovelhas ou cabras, ou para venderem os cabritos e os cordeiros, ou para consumo próprio. Era um dos poucos rendimentos existentes. Bem, mas havia um rebanho que se destacava, pois chegaram a ser 150 cabras ou mais, era o do "tio Zé Alves" como a gente lhe chamava, homem de poucas falas. Lembro-me também que chegou a ter uma junta de bois e uma burra. A junta de bois servia para lavrar os seus campos e dos restantes aldeões. Voltando às cabras! O curral dos animais era perto da minha casa, então logo bem cedo, lá vinha a "tia Casilda" esposa do tio Zé Alves carregada de cantaras de latão para levar o leite que ordenhava das cabras para fazer os seus belos queijos. Tirava-se o leite à cabra. O coalho deixado de molho de um dia para o outro era coado, para dentro do leite, fazendo então, o queijo de cabra. O queijo é produzido pela coagulação do leite. O leite coalhado é a parte sólida resultante da coagulação do leite. A coagulação é obtida usando uma enzima designada coalho. Nos campos nascia uma flor chamada cardo de flor branca (raro) e lilás. Lembro-me de ver esta flor no quintal da minha tia Hermínia e no da tia Cassilda. Esta flor possuía actividade coagulante. As flores eram colhidas no Verão, sendo guardadas em locais secos, para a sua utilização durante o Inverno. Depois de mungido (ordenhado) das cabras, nos estábulos ou currais, o leite era coado por panos brancos e limpos, e depois juntavam-se uns centilitros de água na qual eram dissolvidas uns gramas de coalho, na proporção do leite que tinham para coalhar. Passado duas a três horas está pronto para fazer o queijo numa bacia ou francela de madeira. É espremida a coalhada dentro de assinchos (folha de alumínio esburacada), pelos orifícios destes era tirado o soro e o ar. Depois de feito era adicionado sal a gosto para conservar, no dia seguinte era voltado de baixo para cima e levava a mesma quantidade de sal. Era depois colocado a enxugar nas queijeiras durante 15 dias, sendo voltados todos os dias. Quando enxutos eram colocados em cestas com palha para secarem bem. Alguns depois de secos eram barrados com azeite e colorau (pimentão doce) e deitados dentro de um pote de barro em azeite, assim conservavam-se e ao longo do ano sempre que fosse necessário lá estavam eles com um sabor delicioso. O líquido que saia pelos orifícios o soro, nós chamávamos estreleque ou almece e estávamos todos os dias a espera (digo estávamos porque na aldeia muitos gostavam) que a "Tia Casilda" acabasse de fazer o queijo para nós lá irmos buscar este precioso líquido, o qual se juntava pão ou broa e era muitas vezes uma das nossas refeições. Lembro-me chegar da escola e de o ir buscar, ou vir dos campos onde andava no cultivo, por vezes longe, de propósito para vir buscar o estreleque ou almece e assim fazer a refeição ou do almoço ou lanche. Bem, mas como o gado saia para as serras era preciso haver sempre alguém atento, um pastor para tomar conta delas, mas por vezes o tio Zé Alves deixava-as nas encostas e aproveitava para cuidar do cultivo do campo. Mas, para que isto fosse possível, os animais tinham de estar identificados, para isso existiam os chocalhos. Os chocalhos são uma espécie de campainha que se põem ao pescoço de alguns animais, como ovelhas e cabras, para denunciar a sua presença. A colocação de chocalhos nos animais, permite ao pastor localizá-los mais facilmente, sendo muito útil para recuperar os animais perdidos ou aqueles que se costumam afastar. A matéria-prima utilizada para a confecção é o bronze, liga de cobre e de estanho que é empiricamente preparada pelo artesão, que outras vezes recorre à fundição de velhas e inúteis campainhas trazidas por lavradores e pastores. Previamente o artesão constrói moldes de madeira da peça que tenciona fabricar: chocalho ou campainha de qualquer dimensão e vária sonoridade, meias campainhas, guizos... Mas lembro-me de ver o Tio "Zé Alves" a fazer os chocalhos para o seu gado, fazia-os de latões velhos e outros materiais. A qualidade do queijo vem da época da ordenha, pois de Outubro a Março era a melhor e era o que se guardava para sustento da casa até à nova época. O leite de Abril a Setembro é comido (bebido) mais fresco. Os queijos devido às flores das ervas e dos matos saiam mais arrendados e não eram tão saborosos. Quem sabe apreciar, acha-lhe a diferença Eugénia Santa Cruz (in http://cortecega-eugeniasantacruz.blogspot.com/)
Tradição do Soito - o fabrico do queijo A pastorícia, a par da agricultura, sempre foi uma das actividades predominantes da nossa zona, sobretudo até ao final dos anos 60 do século passado, quando nas aldeias serranas se acelerou ainda mais o processo de desertificação já iniciado nas décadas anteriores. Dentro dos vários produtos que associados a esta actividade (p.e. extracção de lã, venda das crias, consumo de carne, produção de estrume para as terras), destaca-se a produção de queijo, que salvo raras excepções era feito da mistura de leite de cabras e ovelhas, sendo que o primeiro era predominante, não só porque as cabras produzem maiores quantidades de leite, mas também porque a exiguidade dos terrenos aráveis e os respectivos declives, eram mais propícios a estes animais do que às ovelhas. O fabrico ao queijo ocorria, predominantemente entre o mês de Fevereiro e mês de Julho, uma vez que era tradição a maioria das cabras e ovelhas parirem no final do ano / inicio do ano seguinte, após um período de gestação de 5 meses. Naturalmente que este período era o mais escolhido pelos donos do gado, a fim de que o período de crescimento das crias / produção de leite, se ajustasse ao período de maiores e melhores pastagens, que se verificava sobretudo a partir de Fevereiro do ano seguinte. A extracção de leite iniciava-se 2/3 semanas após o nascimento das crias, que assim ficavam privadas de parte do seu alimento destinada a alimentar os seus donos, de forma directa, ou indirecta através do fabrico de queijo. Para o efeito as crias, cabritos e cordeiros, eram fechadas, sobretudo durante a noite, num compartimento específico dento do curral, designado de “prisco” . Pela manhã, quando as cabras e ovelhas já estavam de amojo cheio, procedia-se à ordenha, por norma para um recipiente de lata (a lata do leite), libertando-se então as crias que durante boa parte do dia tinham direito à totalidade do leite para a sua alimentação. Porém e logo que as crias se iniciavam na alimentação sólida, o período de clausura do “prisco” tendia a aumentar, a fim de que os respectivos donos pudessem extrair mais leite. Este leite, após ser coado, a fim de filtrar algumas impurezas adquiridas na fase da ordenha, sobretudo pêlos dos animais, era adicionado de uma determinada porção de água, após infusão a frio da flor do cardo, planta existente na zona com características coagulantes, a fim de coalhar o leite. Sobretudo nos dias de mais baixas temperaturas, o leite era colocado junto à lareira ou ao fogão de lenha, a fim de obter a temperatura necessária para ficar bem coalhado, ou seja com uma textura adequada ao fabrico do queijo. O tempo de coagulação do leite dependia da quantidade de cardo e da temperatura a que estava exposto, numa relação directa. Mas se bem me lembro variava entre 1 e 2 horas. Após estar suficientemente coalhado fazia-se o queijo, sendo que esta era uma tarefa doméstica e por isso executada maioritariamente pelas mulheres. O processo de fabrico exigia um prato, sobre o qual se colocava um acincho (forma redonda aberta dos dois lados de diversos tamanhos conforme o tamanho do queijo pretendido e/ou a quantidade de leite existe) e as mãos bem lavadas. A coalhada era colocada dentro do acincho em pequenas porções e ia sendo espremida pelas mãos, à medida que uma camada estava suficientemente espremida colocava-se a outra, virando-se o acincho do outro lado, até o queijo estar completo. O processo de prensagem assim efectuado é fundamental para que o queijo atinja a textura e o sabor desejados. Concluído o queijo, era colocada a quantidade de sal desejada, ficando o mesmo dentro do acincho até ao dia seguinte, sendo então consumido fresco ou colocado numa queijeira (suporte em madeira), a fim de adquirir a secagem desejada ou de acordo com as necessidades de consumo mais ou menos imediatas. Uma vez que a época do queijo terminava nos primeiros meses de Verão, o queijo para o resto do ano era sujeito a um processo de secagem mais longo, sendo posteriormente conservado em azeite dentro de talhas de barro. O soro obtido após a extracção da coalhada para o fabrico do queijo, que na nossa zona se chamava “almece”, era aproveitado e comido com migas de broa, sobretudo pelas famílias mais carenciadas. António Duarte (“Soito-Aldeia Preservada”, 2010)
1905 Queijos de Góis ganham Grande Prémio Nacional A revista ilustrada "O Ocidente”, em vários números do ano 1905, relata pormenorizadamente o Congresso de Leitaria e Olivicultura, complementado com uma grande Exposição nacional de produtos, gados e máquinas, realizados na Real Tapada da Ajuda, em Lisboa, pela Real Associação Central da Agricultura Portuguesa. Entre os expositores premiados, é assinalado um Prémio de Honra em “Queijos”, atribuído a Manuel Nogueira Ramos, de Góis. Manuel Nogueira Ramos residia na Quinta da Capela, onde tinha instalada a sua queijaria.